Nossa, tem trechos em que eu percebi métrica! Ele vem com a prosa e sutilmente encadeia pentassilabos quando vai enumerando as coisas (voltamos à carga/ furando balões/ cortando cabeças...) como José Gerado Vieira poxa.. Texto maravilhoso! Felizmente o professor não ficou em silêncio quando o excluíram. Estaríamos fritos.
Bruno Tolentino (1940-2007) Quando em 1993 Bruno Tolentino retornou de um exílio voluntário de quase trinta anos na Inglaterra, sua obra poética - em três línguas - estava completa. Só faltava dar-lhe uns últimos retoques, organizá-la em volumes e publicá-la. Vitorioso, seguro de si, reconhecido como igual pelos maiores - W. H. Auden e Saint-John Perse entre outros -, o poeta já nada mais tinha a exigir da vida, ao menos para si mesmo. “Voltei para ensinar”, dizia. Era o que o Brasil mais precisava: alguém que o sacudisse de um torpor literário de três décadas, que lhe devolvesse o amor à grande arte da palavra, base de toda vida civilizada. - Você vai ser o nosso Matthew Arnold, profetizei, pensando em “Culture and Anarchy” (1869), “The Study of Poetry” (1880) e outros ensaios nos quais tomara corpo, mais perfeitamente ainda do que nas obras e atitudes do Doutor Samuel Johnson, a figura bem anglo-saxônica do crítico literário como educador de um povo. Na época eu estava terminando de expor em classe a minha “Teoria dos Quatro Discursos”, na qual a “Poética” e a “Retórica” eram recolocadas no centro mesmo da filosofia aristotélica (portanto de toda a cultura ocidental). Uma de suas conclusões era a necessidade absoluta de começar toda educação - científica inclusive - pelo aprendizado da poesia. O senso do símbolo, da união mágica de som e sentido, era o princípio e fonte do conhecimento, e ele só se realizava na poesia - na arte literária em sentido pleno. E era claro que eu não pensava só na educação escolar, mas na educação do público em geral (do “cidadão”, como então eu ousava dizer, usando um termo ainda não banalizado e prostituído pelos programas partidários). O meio para isso não eram propriamente as escolas, mas a influência direta do educador através dos jornais, da TV, do rádio, de grupos de encontro, etc. Só um grande poeta que fosse ao mesmo tempo um show man poderia salvar o Brasil de afundar para sempre no poço da inépcia literária. Só que aí vinha a pergunta: Cadê o poeta? Nossos melhores escritores estavam octogenários, pendurados em balões de oxigênio. A geração seguinte, intoxicada de mitologia política tão fútil quanto vaidosa - para não mencionar a cocaína desconstrucionista -, perdera até mesmo o sentido elementar da qualidade literária. A vida que poderia ser levava todo o jeito de que não seria jamais. De repente, o anjo, sob a forma de uma mulher majestosamente bonita - Kátia Medeiros -, irrompeu na minha sala de aula trazendo pela mão a solução do problema. O homem falava pelos cotovelos, mas também ouvia com atenção - e, por instinto, sabia que estava ali para fazer o que era preciso fazer. “Voltei para ensinar” foi a frase mais reconfortante que ouvi naquele ano de 1993. Não sei quantas noites varamos analisando a situação, esboçando planos, recenseando meios e obstáculos, preparando a edição dos seus “Sapos de Ontem” - o primeiro tiro da longa batalha que esperávamos travar - e rindo até passar mal só de imaginar a carantonha dos Campos, das Chauís, dos Gianottis, dos Veríssimos, da alta hierarquia inteira da mediocridade nacional, quando vissem, pela primeira vez em suas pomposas vidas, alguém que não os levava nem um pouco a sério exceto como problemas de saúde pública. Quando reagiram como reagiram - com um “manifesto de intelectuais”, tentando suprir pelo número de assinaturas a falta absoluta de respostas inteligentes -, olhamos um para o outro, contendo o riso, e concluímos em uníssono: “Pediram penico.” Nos meses seguintes, voltamos à carga, limpando o terreno, furando balões, cortando cabeças, fazendo um estrago dos diabos. Quando nossos adversários finalmente se calaram, achamos que então haveria espaço para o nosso projeto de reeducação literária nacional. Mas não contávamos com a malícia organizada. Vendo que não poderiam derrotar o poeta, resolveram assimilá-lo, digeri-lo, diluí-lo e neutralizá-lo. Nos anos que se seguiram, cumularam-no de prêmios, de homenagens, de agrados, de festinhas, de prazeres, - tudo sempre entremeado, é claro, de sussurros venenosos -, ao mesmo tempo que lhe sonegavam todos os meios de ação. Ao homem que deveria no mínimo dirigir um suplemento cultural, uma revista, uma instituição de ensino, não se deu sequer uma miserável coluna de jornal. Estendiam-lhe um troféu, um dinheirinho (sabiam que ele precisava), davam-lhe um tapinha nas costas, e o mandavam ir para casa escrever poesia. Mas ele não tinha mais poesia para escrever. Tinha uma missão a cumprir, que foi ficando cada vez mais longe, mais longe, até desaparecer no horizonte. Já cansado e doente, ainda tinha a bravura de marcar posição, quando o deixavam falar aqui ou ali, numa entrevista, numa palestra, numa roda de amigos. Mas sua voz nunca mais teve a presença, o volume, a autoridade pública dos primeiros momentos. O professor sem cátedra, o tribuno sem tribuna, o lutador sem ringue, o soldado sem armas, não morreu em batalha. Morreu de tanto esperar a chance de lutar. Sua vida não foi perdida, é claro. Sua obra poética atravessará os séculos. Ela é a mais esplêndida das vitórias, um testemunho vivo da soberania do espírito. No fim das contas, Bruno Tolentino não perdeu nada. Foi o Brasil que o perdeu e, com ele, se perdeu novamente a si mesmo. Olavo de Carvalho, Diário do Comércio (editorial), 04 de julho de 2007
Se Olavo o elogiou, então o homem é grande. Um grande reconhece o outro. E o professor não desperdiçava palavras com lisonjas sem sentido e imerecidas. Tenho que ler sua obra poética urgentemente.
Esse vídeo me destruiu,contudo por algum motivo consegue me criar uma semente de esperança,talvez ao mesmo tempo que possamos estar sob ombros de gigantes podemos igualmente estar sob seus cadáveres,aprendendo com seus erros e repetindo seus acertos.
A terra tupiniquim começou até bem sua história intelectual. Perdemo-nos na repúbica. Estamos fadados a contar o que poderia ter sido.... um Por vir eterno.
O Brasil não tem preparo, prá um poeta como Bruno Tolentino.
Nossa, tem trechos em que eu percebi métrica! Ele vem com a prosa e sutilmente encadeia pentassilabos quando vai enumerando as coisas (voltamos à carga/ furando balões/ cortando cabeças...) como José Gerado Vieira poxa.. Texto maravilhoso! Felizmente o professor não ficou em silêncio quando o excluíram. Estaríamos fritos.
Grato pela observação. Valeu mesmo
Bruno Tolentino (1940-2007)
Quando em 1993 Bruno Tolentino retornou de um exílio voluntário de quase trinta anos na Inglaterra, sua obra poética - em três línguas - estava completa. Só faltava dar-lhe uns últimos retoques, organizá-la em volumes e publicá-la. Vitorioso, seguro de si, reconhecido como igual pelos maiores - W. H. Auden e Saint-John Perse entre outros -, o poeta já nada mais tinha a exigir da vida, ao menos para si mesmo. “Voltei para ensinar”, dizia. Era o que o Brasil mais precisava: alguém que o sacudisse de um torpor literário de três décadas, que lhe devolvesse o amor à grande arte da palavra, base de toda vida civilizada.
- Você vai ser o nosso Matthew Arnold, profetizei, pensando em “Culture and Anarchy” (1869), “The Study of Poetry” (1880) e outros ensaios nos quais tomara corpo, mais perfeitamente ainda do que nas obras e atitudes do Doutor Samuel Johnson, a figura bem anglo-saxônica do crítico literário como educador de um povo.
Na época eu estava terminando de expor em classe a minha “Teoria dos Quatro Discursos”, na qual a “Poética” e a “Retórica” eram recolocadas no centro mesmo da filosofia aristotélica (portanto de toda a cultura ocidental). Uma de suas conclusões era a necessidade absoluta de começar toda educação - científica inclusive - pelo aprendizado da poesia. O senso do símbolo, da união mágica de som e sentido, era o princípio e fonte do conhecimento, e ele só se realizava na poesia - na arte literária em sentido pleno. E era claro que eu não pensava só na educação escolar, mas na educação do público em geral (do “cidadão”, como então eu ousava dizer, usando um termo ainda não banalizado e prostituído pelos programas partidários). O meio para isso não eram propriamente as escolas, mas a influência direta do educador através dos jornais, da TV, do rádio, de grupos de encontro, etc. Só um grande poeta que fosse ao mesmo tempo um show man poderia salvar o Brasil de afundar para sempre no poço da inépcia literária.
Só que aí vinha a pergunta: Cadê o poeta? Nossos melhores escritores estavam octogenários, pendurados em balões de oxigênio. A geração seguinte, intoxicada de mitologia política tão fútil quanto vaidosa - para não mencionar a cocaína desconstrucionista -, perdera até mesmo o sentido elementar da qualidade literária. A vida que poderia ser levava todo o jeito de que não seria jamais.
De repente, o anjo, sob a forma de uma mulher majestosamente bonita - Kátia Medeiros -, irrompeu na minha sala de aula trazendo pela mão a solução do problema.
O homem falava pelos cotovelos, mas também ouvia com atenção - e, por instinto, sabia que estava ali para fazer o que era preciso fazer. “Voltei para ensinar” foi a frase mais reconfortante que ouvi naquele ano de 1993.
Não sei quantas noites varamos analisando a situação, esboçando planos, recenseando meios e obstáculos, preparando a edição dos seus “Sapos de Ontem” - o primeiro tiro da longa batalha que esperávamos travar - e rindo até passar mal só de imaginar a carantonha dos Campos, das Chauís, dos Gianottis, dos Veríssimos, da alta hierarquia inteira da mediocridade nacional, quando vissem, pela primeira vez em suas pomposas vidas, alguém que não os levava nem um pouco a sério exceto como problemas de saúde pública.
Quando reagiram como reagiram - com um “manifesto de intelectuais”, tentando suprir pelo número de assinaturas a falta absoluta de respostas inteligentes -, olhamos um para o outro, contendo o riso, e concluímos em uníssono: “Pediram penico.”
Nos meses seguintes, voltamos à carga, limpando o terreno, furando balões, cortando cabeças, fazendo um estrago dos diabos. Quando nossos adversários finalmente se calaram, achamos que então haveria espaço para o nosso projeto de reeducação literária nacional.
Mas não contávamos com a malícia organizada. Vendo que não poderiam derrotar o poeta, resolveram assimilá-lo, digeri-lo, diluí-lo e neutralizá-lo. Nos anos que se seguiram, cumularam-no de prêmios, de homenagens, de agrados, de festinhas, de prazeres, - tudo sempre entremeado, é claro, de sussurros venenosos -, ao mesmo tempo que lhe sonegavam todos os meios de ação. Ao homem que deveria no mínimo dirigir um suplemento cultural, uma revista, uma instituição de ensino, não se deu sequer uma miserável coluna de jornal. Estendiam-lhe um troféu, um dinheirinho (sabiam que ele precisava), davam-lhe um tapinha nas costas, e o mandavam ir para casa escrever poesia. Mas ele não tinha mais poesia para escrever. Tinha uma missão a cumprir, que foi ficando cada vez mais longe, mais longe, até desaparecer no horizonte. Já cansado e doente, ainda tinha a bravura de marcar posição, quando o deixavam falar aqui ou ali, numa entrevista, numa palestra, numa roda de amigos. Mas sua voz nunca mais teve a presença, o volume, a autoridade pública dos primeiros momentos. O professor sem cátedra, o tribuno sem tribuna, o lutador sem ringue, o soldado sem armas, não morreu em batalha. Morreu de tanto esperar a chance de lutar. Sua vida não foi perdida, é claro. Sua obra poética atravessará os séculos. Ela é a mais esplêndida das vitórias, um testemunho vivo da soberania do espírito. No fim das contas, Bruno Tolentino não perdeu nada. Foi o Brasil que o perdeu e, com ele, se perdeu novamente a si mesmo.
Olavo de Carvalho, Diário do Comércio (editorial), 04 de julho de 2007
Dois gênios
Perderam o sentido elementar da qualidade literária
Se Olavo o elogiou, então o homem é grande. Um grande reconhece o outro. E o professor não desperdiçava palavras com lisonjas sem sentido e imerecidas. Tenho que ler sua obra poética urgentemente.
Esse vídeo me destruiu,contudo por algum motivo consegue me criar uma semente de esperança,talvez ao mesmo tempo que possamos estar sob ombros de gigantes podemos igualmente estar sob seus cadáveres,aprendendo com seus erros e repetindo seus acertos.
Que coisa bonita. Que elogio!
Monstruosamente maravilhoso!! Parabéns pela página
Valeu, Luiz!
Partiram para a existência definitiva. Gênios!
Hoje não temos intelectuais deste nível.
Dois gigantes 🙏🏻
Perfeito!!!!!
A terra tupiniquim começou até bem sua história intelectual. Perdemo-nos na repúbica. Estamos fadados a contar o que poderia ter sido.... um Por vir eterno.
Legendem os vídeos! Vai ficar bom.
Nossa, que triste isso. O Brasil é amaldiçoado mesmo.
❤ que lindo
Por que não uma playlist do professor Olavo de Carvalho
No site do Olavo de Carvalho.
Reconhecido como igual entre os maiores
Exato
Aeterna❤
Triste.