AQUI ERON VAZ MATTOS O progresso e o tempo novo mataram os rebanhos, As comparsas de esquila a martelo... O brete, o rodeio e as marcações porteira a fora. O rádio emudeceu as vitrolas E o caminhão matou o tropeiro. E o homem? E a mulher? Ah! Estes ainda não... Os homens e mulheres deste pago Estão como cernes de guajuvira, Eretos e firmes, como sempre. Nas suas almas está guardada A melhor fibra da raça crioula, Mantendo, como patrimônio maior, A honra, a dignidade, o apego ao chão, Ao trabalho e a honestidade. A gente do meu rincão Sabe arrancar deste solo O seu sustento suado. Crescemos tranqueando atrás do arado E conversando com os bois, Por isso temos o braço forte, as mãos, a alma E o coração calejados pelo trabalho pacífico; Conduta que adquirimos pelos ensinamentos Dos nossos anteriores que balizaram rumos para nós E montaram o cavalo para defender E tornar brasileiro o chão onde pisamos E que guarda as suas cinzas. Aqui, as nostalgias da campanha encontram amparo nas cruzes sozinhas quando debruçam as sombras de braços abertos, sobre a teimosia dos pajonais... por essas imagens é que as saudades ganham estatura de cerros. Aqui, repartimos a dor em silêncio porque a alma, quando está ferida, substitui as palavras pelo idioma do coração Aqui, a sombra dos cinamomos É muito mais que uma sombra... É o lugar onde comungam os mansos e xucros, Remoendo, tranquilos, nos sóis dos verões, A seiva natural dos campos onde as espécies se igualam, celebrando a vida, ao redor das casas. Apenas aqui o andante descobre o valor de um “ô de casa”, quando sovado de corredores bate palmas de esperança na frente do parapeito e as portas se abrem para ouvir os seus relatos colhidos nas estradas. Aqui, a cordeona tem voz de recuerdo; A guitarra tem alma de pátria e querência. Os galos acordam as madrugadas E o cheiro dos campos vem dormir dentro de casa. Aqui, se conhece a volta certa dos cambões das porteiras E se entende de laços, arames e tranças, De potros e domas, conjuntas e jugos, Arados e enxadas, mariposas e galeotas, Machados e tiradeiras... Aqui, as mangueiras encerram os tombos dos pealos e os comandos de “forma cavalo”, Os berros das vacas mansas timbram a alma do pago, Com refrões enluarados de madrugada. Apenas aqui ainda se ouve, Nas tardes quentes de chuva, O tuco-tuco justificando o seu nome E as calhandras ainda encontram Varais com charque para temperar o assovio. Nas noites quentes ainda se escuta A saparia afiando o canto nas chairas dos juncais. As esporas ainda riscam o chão dos galpões E as botas têm o couro queimado pelo suor dos cavalos. As chaminés dos fogões a lenha ainda fumegam pelas madrugadas e, ainda, se pode ouvir as cantigas das sangas claras, os berros de touro e a cantoria dos grilos... As babas-de-boi tremulam nos caraguatás, hasteando em mastros de espinhos Os rumos dos ventos Aqui, ainda se pode ver bombachas remendadas E camisas feitas de saco estendidas num quarador próximo à tábua de bater roupas, nos empedrados das sangas As mulheres ainda usam sombrinhas, Lenços na cabeça, para a lida E ainda bordam panos, aventais, guardanapos... E ainda fazem pão com torresmo. Aqui, a sabedoria secular ensinou que fazendo uma cruz com carvão sobre os ovos de galinhas para chocar os trovões não conseguem gorar e a natureza se encarrega de “descascar” as ninhadas e espalhar infâncias de veludo nos terreiros bem varridos. Aqui ainda se usa o macete e a mordaça para sovar um couro... e se toma café com bolo frito nas tardes chuvosas de inverno. A cicatriz dos rodados que nasciam nas cacimbas, hoje serve de caminho para a sobra dos aguaceiros engordar as enchentes. As vezes, o céu pinga pelas goteiras dos nossos tetos apaga luas e estrelas... mas acende, em cada um, a sabedoria e a esperança. Aqui, a felicidade não tem anéis nos dedos nem diplomas nas paredes. Mas se tem olhos na alma capazes de interpretar as parábolas da natureza... porque sabemos: Que o canto matinal dos bem-te-vis É, na verdade, um diálogo com Deus.
AQUI
ERON VAZ MATTOS
O progresso e o tempo novo mataram os rebanhos,
As comparsas de esquila a martelo...
O brete, o rodeio e as marcações porteira a fora.
O rádio emudeceu as vitrolas
E o caminhão matou o tropeiro.
E o homem? E a mulher?
Ah! Estes ainda não...
Os homens e mulheres deste pago
Estão como cernes de guajuvira,
Eretos e firmes, como sempre.
Nas suas almas está guardada
A melhor fibra da raça crioula,
Mantendo, como patrimônio maior,
A honra, a dignidade, o apego ao chão,
Ao trabalho e a honestidade.
A gente do meu rincão
Sabe arrancar deste solo
O seu sustento suado.
Crescemos tranqueando atrás do arado
E conversando com os bois,
Por isso temos o braço forte, as mãos, a alma
E o coração calejados pelo trabalho pacífico;
Conduta que adquirimos pelos ensinamentos
Dos nossos anteriores que balizaram rumos para nós
E montaram o cavalo para defender
E tornar brasileiro o chão onde pisamos
E que guarda as suas cinzas.
Aqui, as nostalgias da campanha
encontram amparo nas cruzes sozinhas
quando debruçam as sombras de braços abertos,
sobre a teimosia dos pajonais...
por essas imagens é que as saudades
ganham estatura de cerros.
Aqui, repartimos a dor em silêncio
porque a alma, quando está ferida,
substitui as palavras pelo idioma do coração
Aqui, a sombra dos cinamomos
É muito mais que uma sombra...
É o lugar onde comungam os mansos e xucros,
Remoendo, tranquilos, nos sóis dos verões,
A seiva natural dos campos onde as espécies se igualam,
celebrando a vida, ao redor das casas.
Apenas aqui o andante descobre
o valor de um “ô de casa”, quando sovado de corredores
bate palmas de esperança na frente do parapeito
e as portas se abrem para ouvir
os seus relatos colhidos nas estradas.
Aqui, a cordeona tem voz de recuerdo;
A guitarra tem alma de pátria e querência.
Os galos acordam as madrugadas
E o cheiro dos campos vem dormir dentro de casa.
Aqui, se conhece a volta certa dos cambões das porteiras
E se entende de laços, arames e tranças,
De potros e domas, conjuntas e jugos,
Arados e enxadas, mariposas e galeotas,
Machados e tiradeiras...
Aqui, as mangueiras encerram os tombos dos pealos
e os comandos de “forma cavalo”,
Os berros das vacas mansas timbram a alma do pago,
Com refrões enluarados de madrugada.
Apenas aqui ainda se ouve,
Nas tardes quentes de chuva,
O tuco-tuco justificando o seu nome
E as calhandras ainda encontram
Varais com charque para temperar o assovio.
Nas noites quentes ainda se escuta
A saparia afiando o canto nas chairas dos juncais.
As esporas ainda riscam o chão dos galpões
E as botas têm o couro queimado pelo suor dos cavalos.
As chaminés dos fogões a lenha
ainda fumegam pelas madrugadas
e, ainda, se pode ouvir as cantigas
das sangas claras, os berros de touro
e a cantoria dos grilos...
As babas-de-boi tremulam nos caraguatás,
hasteando em mastros de espinhos
Os rumos dos ventos
Aqui, ainda se pode ver bombachas remendadas
E camisas feitas de saco estendidas num quarador
próximo à tábua de bater roupas,
nos empedrados das sangas
As mulheres ainda usam sombrinhas,
Lenços na cabeça, para a lida
E ainda bordam panos, aventais, guardanapos...
E ainda fazem pão com torresmo.
Aqui, a sabedoria secular ensinou
que fazendo uma cruz com carvão
sobre os ovos de galinhas para chocar
os trovões não conseguem gorar
e a natureza se encarrega de “descascar” as ninhadas
e espalhar infâncias de veludo nos terreiros bem varridos.
Aqui ainda se usa o macete
e a mordaça para sovar um couro...
e se toma café com bolo frito
nas tardes chuvosas de inverno.
A cicatriz dos rodados que nasciam nas cacimbas,
hoje serve de caminho para a sobra dos aguaceiros
engordar as enchentes.
As vezes, o céu pinga pelas goteiras dos nossos tetos
apaga luas e estrelas...
mas acende, em cada um, a sabedoria e a esperança.
Aqui, a felicidade não tem anéis nos dedos
nem diplomas nas paredes.
Mas se tem olhos na alma capazes de interpretar
as parábolas da natureza...
porque sabemos:
Que o canto matinal dos bem-te-vis
É, na verdade, um diálogo com Deus.
Maravilha!!!Gracias por compartilhar"
muito buenacho tchê, gracias pela postagem.
Alguém tem a letra desta poesia ?
"A felicidade não tem diploma e nem anéis nos dedos" lindo demais
Eu tenho!