Aos amigos que apreciam audiolivros e que desejam conhecer a obra de Machado de Assis, criamos um canal aqui no TH-cam exclusivamente dedicado ao "Bruxo do Cosme Velho", com o qual tencionamos tornar acessível seus romances, contos, crônicas, poesias e críticas. Obrigado: th-cam.com/users/machadiana
9 de janeiro Ora bem, faz hoje um ano que voltei definitivamente da Europa. O que me lembrou esta data foi, estando a beber café, o pregão de um vendedor de vassouras e espanadores: "Vai vassouras! vai espanadores!" Costumo ouvi-lo outras manhãs, mas desta vez trouxe-me à memória o dia do desembarque, quando cheguei aposentado à minha terra, ao meu Catete, à minha língua. Era o mesmo que ouvi há um ano, em 1887, e talvez fosse a mesma boca. Durante os meus trinta e tantos anos de diplomacia algumas vezes vim ao Brasil, com licença. O mais do tempo vivi fora, em várias partes, e não foi pouco. Cuidei que não acabaria de me habituar novamente a esta outra vida de cá. Pois acabei. Certamente ainda me lembram cousas e pessoas de longe, diversões, paisagens, costumes, mas não morro de saudades por nada. Aqui estou, aqui vivo, aqui morrerei. Cinco horas da tarde Recebi agora um bilhete de mana Rita, que aqui vai colado: 9 de janeiro "Mano, Só agora me lembrou que faz hoje um ano que você voltou da Europa aposentado. Já é tarde para ir ao cemitério de São João Batista, em visita ao jazigo da família, dar graças pelo seu regresso; irei amanhã de manhã, e peço a você que me espere para ir comigo. Saudades da Velha mana, Rita." Não vejo necessidade disso, mas respondi que sim.
Esse não é o livro inteiro. Ele parou em 28 de dezembro de 1888. Agora estou com medo, pois eu ouvi outros audiolivros do Iba Mendes e estou pensando que posso não ter ouvido o livro todo.
É bem possível. Eu não gosto muito da experiência de ler e ouvir ao mesmo tempo. Prefiro ou ler ou ouvir. Mas é uma estratégia pra saber se está completo.
10 de janeiro Fomos ao cemitério. Rita, apesar da alegria do motivo, não pôde reter algumas velhas lágrimas de saudade pelo marido que lá está no jazigo, com meu pai e minha mãe. Ela ainda agora o ama, como no dia em que o perdeu, lá se vão tantos anos. No caixão do defunto mandou guardar um molho dos seus cabelos, então pretos, enquanto os mais deles ficaram a embranquecer cá fora. Não é feio o nosso jazigo; podia ser um pouco mais simples, - a inscrição e uma cruz, - mas o que está é bem feito. Achei-o novo demais, isso sim. Rita fá-lo lavar todos os meses, e isto impede que envelheça. Ora, eu creio que um velho túmulo dá melhor impressão do ofício, se tem as negruras do tempo, que tudo consome. O contrário parece sempre da véspera. Rita orou diante dele alguns minutos, enquanto eu circulava os olhos pelas sepulturas próximas. Em quase todas havia a mesma antiga súplica da nossa: "Orai por ele! Orai por ela!" Rita me disse depois, em caminho, que é seu costume atender ao pedido das outras, rezando uma prece por todos os que ali estão. Talvez seja a única. A mana é boa criatura, não menos que alegre. A impressão que me dava o total do cemitério é a que me deram sempre outros; tudo ali estava parado. Os gestos das figuras, anjos e outras, eram diversos, mas imóveis. Só alguns pássaros davam sinal de vida, buscando-se entre si e pousando nas ramagens, pipilando ou gorjeando. Os arbustos viviam calados, na verdura e nas flores. Já perto do portão, à saída, falei a mana Rita de uma senhora que eu vira ao pé de outra sepultura, ao lado esquerdo do cruzeiro, enquanto ela rezava. Era moça, vestia de preto, e parecia rezar também, com as mãos cruzadas e pendentes. A cara não me era estranha, sem atinar quem fosse. E bonita, e gentilíssima, como ouvi dizer de outras em Roma. - Onde está? Disse-lhe onde estava. Quis ver quem era. Rita, além de boa pessoa, é curiosa, sem todavia chegar ao superlativo romano. Respondi-lhe que esperássemos ali mesmo, ao portão. - Não! pode não vir tão cedo, vamos espiá-la de longe. É assim bonita? - Pareceu-meEntramos e enfiamos por um caminho entre campas, naturalmente. A alguma distância, Rita deteve-se. - Você conhece, sim. Já a viu lá em casa, há dias. - Quem é? - É a viúva Noronha. Vamos embora, antes que nos veja. Já agora me lembrava, ainda que vagamente, de uma senhora que lá apareceu em Andaraí, a quem Rita me apresentou e com quem falei alguns minutos. - Viúva de um médico, não é? - Isso; filha de um fazendeiro da Paraíba do Sul, o barão de Santa-Pia. Nesse momento, a viúva descruzava as mãos, e fazia gesto de ir embora. Primeiramente espraiou os olhos, como a ver se estava só. Talvez quisesse beijar a sepultura, o próprio nome do marido, mas havia gente perto, sem contar dous coveiros que levavam um regador e uma enxada, e iam falando de um enterro daquela manhã. Falavam alto, e um escarnecia do outro, em voz grossa: "Eras capaz de levar um daqueles ao morro? Só se fossem quatro como tu". Tratavam de caixão pesado, naturalmente, mas eu voltei depressa a atenção para a viúva, que se afastava e caminhava lentamente, sem mais olhar para trás. Encoberto por um mausoléu, não a pude ver mais nem melhor que a princípio. Ela foi descendo até o portão, onde passava um bonde em que entrou e partiu. Nós descemos depois e viemos no outro. Rita contou-me então alguma cousa da vida da moça e da felicidade grande que tivera com o marido, ali sepultado há mais de dous anos. Pouco tempo viveram juntos. Eu, não sei por que inspiração maligna, arrisquei esta reflexão: - Não quer dizer que não venha a casar outra vez. - Aquela não casa. - Quem lhe diz que não? - Não casa; basta saber as circunstâncias do casamento, a vida que tiveram e a dor que ela sentiu quando enviuvou. - Não quer dizer nada, pode casar; para casar basta estar viúva. - Mas eu não casei. -Você é outra cousa, você é única. Rita sorriu, deitando-me uns olhos de censura, e abanando a cabeça, como se me chamasse "peralta". Logo ficou séria, porque a lembrança do marido fazia-a realmente triste. Meti o caso à bulha;
Aos amigos que apreciam audiolivros e que desejam conhecer a obra de Machado de Assis, criamos um canal aqui no TH-cam exclusivamente dedicado ao "Bruxo do Cosme Velho", com o qual tencionamos tornar acessível seus romances, contos, crônicas, poesias e críticas. Obrigado:
th-cam.com/users/machadiana
Ja comecei a segui-los. Parabéns pelo trabalho.
A gravação deixa de fora a última parte (1889), correspondente a pouco mais ou menos de 20% do total.
Legal. Valeu ' Freeza' por narrar o livro
parece msm a voz do freeza kk
Freeza também é cultura, amigo. kkkkkk
Kkkkk
@@marcelojunior9066 parece pq é hehe o Carlos Campanile é o dublador do Freeza.
14 de janeiro - 11:03
16 de janeiro - 12:38
20 de janeiro - 13:17
25 de janeiro - 16:53
Pasta 2- 4 de fevereiro 31:21
9 de janeiro
Ora bem, faz hoje um ano que voltei definitivamente da Europa. O que me lembrou esta data
foi, estando a beber café, o pregão de um vendedor de vassouras e espanadores: "Vai vassouras! vai
espanadores!" Costumo ouvi-lo outras manhãs, mas desta vez trouxe-me à memória o dia do
desembarque, quando cheguei aposentado à minha terra, ao meu Catete, à minha língua. Era o mesmo
que ouvi há um ano, em 1887, e talvez fosse a mesma boca.
Durante os meus trinta e tantos anos de diplomacia algumas vezes vim ao Brasil, com licença.
O mais do tempo vivi fora, em várias partes, e não foi pouco. Cuidei que não acabaria de me habituar
novamente a esta outra vida de cá. Pois acabei. Certamente ainda me lembram cousas e pessoas de
longe, diversões, paisagens, costumes, mas não morro de saudades por nada. Aqui estou, aqui vivo,
aqui morrerei.
Cinco horas da tarde
Recebi agora um bilhete de mana Rita, que aqui vai colado: 9 de janeiro
"Mano,
Só agora me lembrou que faz hoje um ano que você voltou da Europa aposentado. Já é tarde
para ir ao cemitério de São João Batista, em visita ao jazigo da família, dar graças pelo seu regresso;
irei amanhã de manhã, e peço a você que me espere para ir comigo. Saudades da
Velha mana,
Rita."
Não vejo necessidade disso, mas respondi que sim.
👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏
O audiobook não está completo, infelizmente, pois ainda faltavam algumas páginas para terminar a leitura do livro.
Esse não é o livro inteiro. Ele parou em 28 de dezembro de 1888. Agora estou com medo, pois eu ouvi outros audiolivros do Iba Mendes e estou pensando que posso não ter ouvido o livro todo.
É só acompanhar o áudio com o livro, simples. Na verdade, acho que assim é melhor.
Pser, aquele outro é resumo, e este conta apenas o ano de 1888.
É bem possível. Eu não gosto muito da experiência de ler e ouvir ao mesmo tempo. Prefiro ou ler ou ouvir. Mas é uma estratégia pra saber se está completo.
Muito bom! Essa voz é ótima composição!
Pena que falta a última parte do livro.
10 de janeiro
Fomos ao cemitério. Rita, apesar da alegria do motivo, não pôde reter algumas velhas lágrimas
de saudade pelo marido que lá está no jazigo, com meu pai e minha mãe. Ela ainda agora o ama, como
no dia em que o perdeu, lá se vão tantos anos. No caixão do defunto mandou guardar um molho dos
seus cabelos, então pretos, enquanto os mais deles ficaram a embranquecer cá fora.
Não é feio o nosso jazigo; podia ser um pouco mais simples, - a inscrição e uma cruz, -
mas o que está é bem feito. Achei-o novo demais, isso sim. Rita fá-lo lavar todos os meses, e isto
impede que envelheça. Ora, eu creio que um velho túmulo dá melhor impressão do ofício, se tem as
negruras do tempo, que tudo consome. O contrário parece sempre da véspera.
Rita orou diante dele alguns minutos, enquanto eu circulava os olhos pelas sepulturas
próximas. Em quase todas havia a mesma antiga súplica da nossa: "Orai por ele! Orai por ela!" Rita me
disse depois, em caminho, que é seu costume atender ao pedido das outras, rezando uma prece por
todos os que ali estão. Talvez seja a única. A mana é boa criatura, não menos que alegre.
A impressão que me dava o total do cemitério é a que me deram sempre outros; tudo ali estava
parado. Os gestos das figuras, anjos e outras, eram diversos, mas imóveis. Só alguns pássaros davam
sinal de vida, buscando-se entre si e pousando nas ramagens, pipilando ou gorjeando. Os arbustos
viviam calados, na verdura e nas flores.
Já perto do portão, à saída, falei a mana Rita de uma senhora que eu vira ao pé de outra
sepultura, ao lado esquerdo do cruzeiro, enquanto ela rezava. Era moça, vestia de preto, e parecia rezar
também, com as mãos cruzadas e pendentes. A cara não me era estranha, sem atinar quem fosse. E
bonita, e gentilíssima, como ouvi dizer de outras em Roma.
- Onde está?
Disse-lhe onde estava. Quis ver quem era. Rita, além de boa pessoa, é curiosa, sem todavia
chegar ao superlativo romano. Respondi-lhe que esperássemos ali mesmo, ao portão.
- Não! pode não vir tão cedo, vamos espiá-la de longe. É assim bonita?
- Pareceu-meEntramos e enfiamos por um caminho entre campas, naturalmente. A alguma distância, Rita
deteve-se.
- Você conhece, sim. Já a viu lá em casa, há dias.
- Quem é?
- É a viúva Noronha. Vamos embora, antes que nos veja.
Já agora me lembrava, ainda que vagamente, de uma senhora que lá apareceu em Andaraí, a
quem Rita me apresentou e com quem falei alguns minutos.
- Viúva de um médico, não é?
- Isso; filha de um fazendeiro da Paraíba do Sul, o barão de Santa-Pia.
Nesse momento, a viúva descruzava as mãos, e fazia gesto de ir embora. Primeiramente
espraiou os olhos, como a ver se estava só. Talvez quisesse beijar a sepultura, o próprio nome do
marido, mas havia gente perto, sem contar dous coveiros que levavam um regador e uma enxada, e iam
falando de um enterro daquela manhã. Falavam alto, e um escarnecia do outro, em voz grossa: "Eras
capaz de levar um daqueles ao morro? Só se fossem quatro como tu". Tratavam de caixão pesado,
naturalmente, mas eu voltei depressa a atenção para a viúva, que se afastava e caminhava lentamente,
sem mais olhar para trás. Encoberto por um mausoléu, não a pude ver mais nem melhor que a
princípio. Ela foi descendo até o portão, onde passava um bonde em que entrou e partiu. Nós descemos
depois e viemos no outro.
Rita contou-me então alguma cousa da vida da moça e da felicidade grande que tivera com o
marido, ali sepultado há mais de dous anos. Pouco tempo viveram juntos. Eu, não sei por que
inspiração maligna, arrisquei esta reflexão:
- Não quer dizer que não venha a casar outra vez.
- Aquela não casa.
- Quem lhe diz que não?
- Não casa; basta saber as circunstâncias do casamento, a vida que tiveram e a dor que ela
sentiu quando enviuvou.
- Não quer dizer nada, pode casar; para casar basta estar viúva.
- Mas eu não casei.
-Você é outra cousa, você é única.
Rita sorriu, deitando-me uns olhos de censura, e abanando a cabeça, como se me chamasse
"peralta". Logo ficou séria, porque a lembrança do marido fazia-a realmente triste. Meti o caso à bulha;
3:37:02
1:38:55 16 de junho
2:32:28 27 de agosto
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Capítulo 2 - 31:18
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2:40 3 de setembro
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