Capítulo I 00:00:00 Capítulo II 00:20:09 Capítulo III 00:40:07 Capítulo IV 00:49:47 Capítulo V 01:00:07 Capítulo VI 01:09:14 Capítulo VII 01:20:38 Capítulo VIII 01:26:50 capítulo IX 01:38:04 Capítulo X 01:45:32 Capítulo XI 02:03:41 capítulo XII 02:12:30 Capítulo XIII 02:20:35 Capítulo XIV 02:30:40 Capítulo XV 02:43:35 Capítulo XVI 02:55:30 Capítulo XVII 03:14:54 Capítulo XVIII 03:22:40 Capítulo XIX 03:36:20 capítulo XX 03:45:05 Capítulo XXI 03:52:55 capítulo XXII 03:58:25 Capítulo XXIII 04:07:30 Capítulo XXIV 04:20:50 Capítulo XXV 04:32:15 Capítulo XXVI 04:38:55 Capitulo XXVII 04:44:05 Capítulo XXVIII 04:52:32 Capítulo XXIX 05:06:50 Capítulo XXX 05:18:40 Capítulo XXXI 05:29:00
Prova amanhã, e como tenaz incompetente que sou, deixo de ler este livro antes para tentar compreender e absorver um audio de quase 6 horas no último minuto 😌 📖 ( volto amanhã para falar quanto tirei na prova) Edit: tirei 9,7 na prova e nem li o livro, só fiz resumo
Corta extensa e quase despovoada zona da parte sul-oriental da vastíssima província de Mato Grosso a estrada que da Vila de Sant'Ana do Paranaíba vai ter ao sitio abandonado de Camapuã. Desde aquela povoação, assente próximo ao vértice do ângulo em que confinam os territórios de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso até ao Rio Sucuriú, afluente do majestoso Paraná, isto é, no desenvolvimento de muitas dezenas de léguas, anda-se comodamente, de habitação em habitação, mais ou menos chegadas umas às outras, rareiam, porem, depois as casas, mais e mais, e caminham-se largas horas, dias inteiros sem se ver morada nem gente até ao retiro de João Pereira, guarda avançada daquelas solidões, homem chão e hospitaleiro, que acolhe com carinho o viajante desses alongados paramos, oferece-lhe momentâneo agasalho e o provê da matalotagem precisa para alcançar os campos de Miranda e Pequiri, ou da Vacaria e Nioac, no Baixo Paraguai. Ali começa o sertão chamado bruto. Pousos sucedem a pousos, e nenhum teto habitado ou em ruínas, nenhuma palhoça ou tapera dá abrigo ao caminhante contra a frialdade das noites, contra o temporal que ameaça, ou a chuva que está caindo. Por toda a parte, a calma da campina não arroteada; por toda a parte, a vegetação virgem, como quando aí surgiu pela vez primeira. A estrada que atravessa essas regiões incultas desenrola-se à maneira de alvejante faixa, aberta que é na areia, elemento dominante na composição de todo aquele solo, fertilizado aliás por um sem-número de límpidos e borbulhantes regatos, ribeirões e rios, cujos contingentes são outros tantos tributários do claro e fundo Paraná ou, na contravertente, do correntoso Paraguai. Essa areia solta, e um tanto grossa, tem cor uniforme que reverbera com intensidade os raios do Sol, quando nela batem de chapa. Em alguns pontos é tão fofa e movediça que os animais das tropas viageiras arquejam de cansaço, ao vencerem aquele terreno incerto, que lhes foge de sob os cascos e onde se enterram até meia canela. Freqüentes são também os desvios, que da estrada partem de um e outro lado e proporcionam, na mata adjacente, trilha mais firme, por ser menos pisada
O dia 15 de julho de 18é0 era dia claro, sereno e fresco, como costumam ser os chamados de inverno no interior do Brasil. Ia o Sol alto em seu percurso, iluminando com seus raios, não muito ardentes para regiões intertropicais, a estrada, cujo aspecto há pouco tentamos descrever e que da Vila de Sant'Ana do Paranaíba vai ter aos campos de Camapuã. A essa hora, um viajante, montado numa boa besta tordilho-queimada, gorda e marchadeira, seguia aquela estrada. A sua fisionomia e maneiras de trajar denunciavam de pronto que não era homem de lida fadigosa e comum ou algum fazendeiro daquelas cercanias que voltasse para casa. Trazia na cabeça um chapéu-do-chile de abas amplas e cingido de larga fita preta, sobre os ombros um poncho-pala de variegadas cores e calçava botas de couro da Rússia bem feitas e em bom estado de conservação. Tinha quando muito vinte e cinco anos, presença agradável, olhos negros e bem rasgados, barba e cabelos cortados quase à escovinha e ar tão inteligente quanto decidido. Na mão empunhava uma comprida vara que havia pouco cortara, e com que ia distraidamente fustigando o ar ou batendo nos ramos de árvores que se dobravam ao alcance do braço. Vinha só e, no momento em que damos começo a esta singela história, achava-se no bonito trecho de caminho que medeia entre a casa de Albino Lata e a do Leal, a sete boas léguas da sezonática e decadente Vila de Sant'Ana do Paranaíba Nesta porção de estrada, ensombrada pelas árvores de vistoso cerrado, o leito, ainda que já bastante arenoso, é firme e parece mais aléia de bem tratado jardim, do que caminho de tropas e carreadores. Ainda aumenta os encantos daquele lance a inúmera quantidade de rolas caboclas a brincar na areia e de pombas de cascavel, cujo bater das asas produz um arruído tão característico e singular. O nosso viajante, se caminhava distraído e meio pensativo, não parecia, contudo, de gênio sombrio ou pouco divertido. Muito ao contrário, sacudia as vezes o torpor em que vinha e entrava a cantarolar, ou assobiar, esporeando a valente cavalgadura, que na marcha que tomava ia abanando alternadamente as orelhas com o movimento cadencial da cabeça. Numa dessas reações contra alguma preocupação, disse em voz alta, puxando por um relógio de prata, seguro em corrente do mesmo metal: - Às duas horas, pretendo sestear no paiol do Leal. Falta pouco para o meio-dia, e tenho tempo diante de mim a botar fora. Moderou, pois, a andadura que levava o animal e mais ativamente recomeçou a zurzir os galhos das árvores, bocejando de tédio. Também pouco tempo caminhou só, por isto que em breve ao seu lado emparelhou outro viajante, escanchado num cavalinho feio e zambro, mas muito forte, o qual, coberto como estava de suor, mostrava ter vindo quase a galope. Homem já de alguma idade, o recém-chegado era gordo, de compleição sangüínea, rosto expressivo e franco. Trajava à mineira e parecia, como realmente era, morador daquela localidade.
Oh! - exclamou o outro todo expansivo, a caminhada é a mesma. Pois, meu rico senhor, eu moro a meia légua do Leal, torcendo a esquerda e se vosmecê não tem compromissos lá com o homem, far-me-á muito favor agasalhando-se em teto de quem é pobre, mas amigo de servir. Minha tapera é pouco retirada do caminho, e quem vem montado como o senhor, não tem que andar contando bo- cadinhos de léguas. Convite tão espontâneo e amável não podia deixar de ser bem aceito, sobretudo naquelas alturas, e trouxe logo entre os dois caminhantes a familiaridade que tão depressa se estabelece em viagem. - Com toda a satisfação irei parar em sua casa, retrucou o jovem. Nunca vi o Leal, pois agora é a primeira vez que cruzo este sertão, e ando de pouso em pouso, pedindo um cantinho de paiol ou de rancho para passar a noite com os meus camaradas. - Traz então tropa? - Tropa, não; apenas dois bagageiros que vêm com as minhas cargas e uma besta à destra. - Olá! o amigo viaja à fidalga, observou o mineiro com gesto folgazão. - Qual!... Bastantes privações tenho já curtido. - Decerto não as sentirá em nossa casa todo o tempo que lá quiser ficar. Não encontrará luxarias nem coisas da capital, unicamente o que pode ter nestes mundos: quatro paredes de pau-a-pique mal rebocadas, uma cama de vento, bom feijão a fartar, ervas a mineira, arroz de papa, farinha de milho torradinha, café com rapadura e talvez até um lombo fresco de porco. - Olá! exclamou o moço rindo-se com expansão, vou passar vida de capitão-mor. Não queria tanto, bastava-me... - O que sobretudo desejo é que tenha comigo o coração na boca. Se não gostar do passadio, vá logo desembacharido. Na minha rancharia pousa pouca gente, porque fica para dentro da estrada... assim, talvez lhe falte alguma coisa; em todo o caso farei pelo melhor . . . Depois de breve pausa, continuou: - Mas porém, creio que já é ocasião, agora que nos conhecemos como dois amigos do tempo do Rojão, saber com quem lidamos. Eu, quanto a mim, me chamo Martinho dos Santos Pereira e a minha história conto-lha em duas palhetadas... Sua graça, ainda que mal pergunte? - Cirino Ferreira de Campos, respondeu o outro viajante, um criado para o servir. - Obrigado, agradeceu Pereira inclinando-se cortesmente e levando a mão ao chapéu. Como lhe disse há pouco, minha historia é história de entrar por uma porta e sair por outra. Minha gente não é de má raça, pelo contrário; meu pai, que Deus lhe dê a glória, possuía alguma coisa de seu e deixou aos seus muitos filhos um nome limpo e respeitado. Cada qual de nós- éramos sete- tomou o seu rumo. Quanto a mim, casei muito mocinho e fui morar na Diamantina, onde abri casa de negócio. Depois de alguns anos, uns bons, outros caiporas, morreu minha dona e mudei-me, a principio, para Pinmi e mais tarde para Uberaba. A vida começou a desandar-me de todo, e fiz logo este cálculo: estar tão longe, antes afundar-me no mato de uma boa feita. Vendi minha lojinha de ferragens e internei-me até cá com
três escravos. lá doze anos que moro nestes socavões e, palavra de honra, até ao presente não me tenho arrependido. Na minha situação há fartura, e louvado seja! nunca passei necessidade... Não posso por isto queixar-me sem ingratidão. Deus Nosso Senhor Jesus Cristo tem olhado para mim, e me julgo bem amparado, sobretudo quando me lembro do despotismo de misérias, que vai por estas terras fora... Cruzes! nem falar nisto é bom... Diga-me porém uma coisa: vosmecê para onde se atira? - Homem, Senhor Pereira, não tenho destino certo. - Deveras? Então esta caminhando à toa? - Eu ponho-lhe já tudo em pratos limpos. Ando por estes fundões curando maleitas e feridas bradas. - Ah! exclamou Pereira com manifesto contentamento, vosmecê é doutor, não é? Físico, como chamavam os nossos do tempo de dantes. - É fato, confirmou Cirino com alguma satisfação. - Ora, pois multo bem, cai-me a sopa no mel; sim, senhor, vem mesmo ao pintar... a talhe de foice. - Por quê? - Daqui a pouco saberá... Mas, diga-me ainda... Onde é que vosmecê leu nos livros, aprendeu suas historias e bruxarias? Na corte do Império? - Não, respondeu Cirino, primeiro no Colégio do Caraça; depois fui para Ouro Preto, onde tirei carta de farmácia. E acrescentou com enfatuação: - Desde então tenho batido todo o poente de Minas e feito curas que é um milagre. - Ah! a sabença é coisa boa. . . eu também tinha jeito para saber mais do que ler e escrever, isto mesmo mulmente; mas quem nasceu para carreiro, vira, mexe, larga e pega, sempre acaba junto ao carro. Com o que, entonces, vosmecê entende de curar?... - Entendo, afirmou Cirino sem o menor constrangimento. - Pois caiu-me muito ao jeito na mão; sim, senhor. Estou com uma menina doente de maleitas, minha filha, e por essa causa tinha ido a Sant'Ana buscar quina do comércio; mas lá não havia da maldita e voltava bem agoniado. Ora... - Trago, interrompeu o outro, muito remédio nas minhas malas. Para sezões, tenho uma composição infalível... - Já se sabe; entra composição de quina. Deveras é santa mezinha. A pequena tomou a do campo; mas essa pouco talento tem, de maneira que a sezão não lhe deixou o corpo. - Há quantos dias apareceu o tremor de frio? perguntou o intitulado doutor. - Faz hoje, salvo engano, dez dias. Até agora era uma rapariga forçada, sadia e rosada como um lambo; nem sei ate como lhe entrou a maleita no corpo. Ninguém pode fiar-se na tal Vila de Sant'Ana; é uma peste de febres. Eu bem a não Queria levar até lá: mas ela pediu tanto age consenti! Demais como era para ver a madrinha, uma boa senhora, de muita circunstância, a mulher do Major Melo Toques. .. Não conhece? - Pois não
O VIAJANTE Próprio de espírito sorumbático, é andar sempre calado: tagarelar é o encanto e a alma da vida. La Chaussée. Comigo, respondeu Sancho, meu primeiro movimento é logo tal comichão de falar que não posso deixar de desembuchar o que me vem A boca. Cervantes, D. Quixote.
Outra coisa, cara, esse é um dos melhores canais em Portugues; voces deveriam ter um milhao de assinantes. Os professores deveriam indicar o canal para a garotada.
avermelhados clarões sem uma sombra, um sorriso, uma esperança de vida, com todas as suas opulências e verdejantes pimpolhos ocultos, como que raladas de dor e mudo desespero por não poderem ostentar as riquezas e galas encerradas no ubertoso seio. Nessas aflitas paragens, não mais se ouve o piar da esquiva perdiz, tão freqüente antes do incêndio. Só de vez em quando ecoa o arrastado guincho de algum gavião, que paira lá em cima ou bordeja ao chegar-se à terra, a fim de agarrar um ou outro réptil chamuscado do fogo que lavrou. Rompe também o silêncio o grasnido do caracará, que aos pulos procura insetos e cobrinhas ou, junto ao solo, segue o vôo dos urubus, cujos negrejantes bandos, guiados pelo fino olfato, buscam a carniça putrefata. É o caracará comensal do urubu. De parceria se atira, quando urgido pela fome, à rês morta e, intrometido como é, a custo de alguma bicada do pouco amável conviva, belisca do seu lado no imundo repasto. Se passa o caracará a vista do gavião, precipita-se este sobre ele com vôo firme, dá-lhe com a ponta da asa, atordoa-o, atormenta-o só pelo gosto de lhe mostrar a incontestada superioridade. Nada, com efeito, o mete em brios. Pelo contrário, mal levou dois ou três encontrões do miúdo, mas audaz adversário, baixa prudente à terra e põe-se ai desajeitadamente aos saltos. apresentando o adunco bico ao antagonista, que com a extremidade das asas levanta pó e cinza, tão de perto as arrasta ao chão. Afinal, de cansado, deixa o gavião o folguedo, segurando de um bote a serpesinha, que em custoso rasto, procurava algum buraco onde fosse, mais a salvo, pensar as fundas queimaduras. * * * Tais são os campos que as chuvas não vêm regar. Com que gosto demanda então o sertanejo os capões que lá de bem longe se avistam nas encostas das colinas e baixuras, ao redor de alguma nascente orlada de pindaíbas e buritis?! Com que alegria não saúda os formosos coqueirais, núncios da linfa que lhe há de estancar a sede e banhar o afogueado rosto?! Enfileiram-se às vezes as palmeiras com singular regularidade na altura e conformação; mas não raro amontoam-se em compactos maciços, dos quais se segregam algumas mais e mais, a acompanhar com as raízes qualquer tênue fio d'água, que coleia falto de forças e quase a sumir-se na ávida areia. Desde longe dão na vista esses capões. É a princípio um ponto negro, depois uma cúpula de verdura, afinal, mais de perto, uma ilha de luxuriante rama, oásis para os membros lassos do viajante exausto de fadiga, para os seus olhos encandeados e sua garganta abrasada. Então, com sofreguidão natural, acolhe-se ele ao sombreado retiro, onde prestes desarreia a cavalgadura, à qual dá liberdade para ir pastar, entregando-se sem demora ao sono reparador que lhe trará novo alento para prosseguir na cansativa jornada. Ao homem do sertão afiguram-se tais momentos incomparáveis acima de tudo quanto possa idear a imaginação no mais vasto circulo de ambições. Satisfeita a sede que lhe secara as fauces, e comidas umas colheres de farinha de mandioca ou de milho, adoçada com rapadura, estira-se a fio comprido
Espalham-se, por fim, as sombras da noite. O sertanejo que de nada cuidou, que não ouviu as harmonias da tarde, nem reparou nos esplendores do céu, que não viu a tristeza a pairar sobre a terra, que de nada se arreceia, consubstanciado como está com a solidão, pára, relanceia os olhos ao derredor de si e, se no lagar pressente alguma aguada, por má que seja, apeia-se, desencilha o cavalo e reunindo logo uns gravetos bem secos, tira fogo do isqueiro, mais por distração do que por necessidade. Sente-se deveras feliz. Nada lhe perturba a paz do espírito ou o bem-estar do corpo. Nem sequer monologa, como qualquer homem acostumado a conversar. Raros são os seus pensamentos: ou rememora as léguas que andou, ou computa as que tem que vencer para chegar ao término da viagem. No dia seguinte, quando aos clarões da aurora acorda toda aquela esplêndida natureza, recomeça ele a caminhar, como na véspera, como sempre. Nada lhe parece mudado no firmamento: as nuvens de si para si são as mesmas. Dá-lhe o Sol, quando muito, os pontos cardeais, e a terra só lhe prende a atenção, quando algum sinal mais particular pode servir-lhe de marco miliário na estrada que vai trilhando. - Bom! exclama em voz alta e alegre ao avistar algum madeiro agigantado ou uma disposição especial de terras, lá está a peúva grande... Cheguei ao Barranco Alto. Até ao pouso de Jacaré há quatro léguas bem puxadas. E, olhando para o Sol, conclui: - Daqui a três horas estou batendo fogo. Ocasiões há em que o sertanejo dá para assobiar. Cantar, é raro; ainda assim, à surdina; mais uma voz intima, um rumorejar consigo, do que notas saídas do robusto peito. Responder ao pio das perdizes ou ao chamado agoniado da esquiva jaó, é o seu divertimento em dias de bom humor. É-lhe indiferente o urro da onça. Só por demais repara nas muitas pegadas, que em todos os sentidos ficam marcadas na areia da estrada. - Que bichão! murmura ele contemplando um rasto mais fortemente impresso no solo; com um bom onceiro não se me dava de acuar este diabo e meter-lhe uma chumbada no focinho. O legitimo sertanejo, explorador dos desertos, não tem, em geral, família. Enquanto moço, seu fim único é devassar terras, pisar campos onde ninguém antes pusera pé, vadear rios desconhecidos, despontar cabeceiras e furar matas, que descobridor algum ate então haja varado. Cresce-lhe o orgulho na razão da extensão e importância das viagens empreendidas; e seu maior gosto cifra-se em enumerar as correntes caudais que transpôs, os ribeirões que batizou, as serras que transmontou e os pantanais que afoitamente cortou, quando não levou dias e dias a rodeá-los com rara paciência. Cada ano que finda traz-lhe mais um valioso conhecimento e acrescenta uma pedra ao monumento da sua inocente vaidade.
- Não imagina, replicou Cirino com verdadeiro sentimento, quanto me tem amofinado essa maldita dívida. Não pelo dinheiro, que dele faço pouco caso; mas por ter pegado em cartas, coisa que nunca tinha feito na minha vida; isto sim... - Pois meu rico senhor, prosseguiu Pereira, sirva-lhe esta de lição e tome tento com a gente do sertão, não com esses que moram -nas suas casas, sossegados e amigos de servir, mas com viajantes, homens de tropas e carreiros. Isso sim, é uma súcia de jogadores, que andam armados de baralhas e vísporas e, por dá cá aquela palha, empurram uma faca na barriga de um cristão ou descarregam uma garrucha na cabeça de um companheiro, como se fosse em melancia podre. Depois, o demônio do jogo, quando entra no corpo de um des- graçado, faz logo ninho e de lá pincha fora a vergonha. Da má vida com raparigas airadas, fadistas e mulheres à toa, ainda a gente endireita; mas com cartas e sortes, só na caldeira de Pedro Botelho é que se cuida em mudar de rumo. Quem lhe fala, teve um tio morador nas Trairás, para cá de Camapuã cinco léguas, que trabalhava todo o ano na terra para vir jogar até perder o último cobre nas rancharias do Sucuriú. Pereira, de posse de tão largo assunto, contou mil historias, umas lúgubres, outras jocosas, verídicas, inventadas na ocasião ou reproduzidas. Haviam, no entretanto, os dois caminhado bastante. Inclinara-se no horizonte o Sol, e a brisa da tarde já vinha soprando do lado do poente, viva, perfumosa. - Nós, observou o mineiro, com a nossa conversa deixamos os nossos animais vir cochilando. Também já está aqui a minha estradinha. Meta-se nela, Senhor Cirino; em frente ia parar no Leal: minha fazendola começa neste ponto à beira do caminho e vai por ai afora ate bem longe, um mundo de alqueires de terra que nem tem conta. Ao dizer estas palavras, tomou ele a dianteira e dando a direita à estrada geral, enveredou por uma aberta larga e muito sombreado que levava com voltas e tortuosidades à margem rasa de copioso e límpido ribeirão, de álveo areento, todo ele. Que sítio risonho, encantador, esse, ensombrado por majestosa e elegante ingazeira, toda pontuada das mimosas e balsâmicas florezinhas! Os animais, ao perceberem o bater da água, apertaram o passo e, entrando na fresca corrente quase até aos peitos, estiraram o pescoço e puseram-se a beber ruidosamente, avançando aos poucos de encontro ao fio caudal, para buscarem o que houvesse mais puro em linfa. - Não deixe a sua besta se empanainar observou Pereira. Upa! continuou ele puxando pela rédea do cavalo e batendo-lhe amigavelmente na pá do pescoço, upa, Canivete! Vamos matar a fome no milho! Transposto o ribeirão, alargava-se a vereda e, depois de cortar copada mata, abria-se numa verdadeira estrada, que os dois cavaleiros tomaram a meio galope. Transmontava afinal o Sol, quando, atem de ralo matagal, surgiu a ponta de um mastro de São João, que o mineiro saudou com mostras de grande alegria, como sinal precursor da querida vivenda. Antes, porem, de nela penetrarmos, digamos quem era aquele mancebo que viajava ornado do pomposo titulo de doutor, e, que mais é, revestido de autoridade para ir, a seu talante aplicando remédios e preconizando curas milagrosas.
sobre os arreios desdobrados e contempla descuidoso o firmamento azul, as nuvens que se espacejam nos ares, a folhagem lustrosa e os troncos brancos das pindaíbas a copa dos ipês e as palmas dos buritis a ciciar a modo de harpas eólias, músicas sem conta com o perpassar da brisa. Como são belas aquelas palmeiras! O estípite liso, pardacento, sem manchas mais que pontuadas estrias, sustenta denso feixe de pecíolos longos e canulados, em que assentam flabelas abertas como um leque, cujas pontas se acurvam flexíveis e tremulantes. Na base em torno da coma, pendem, amparados por largas espatas, densos cachos de cocos tão duros, que a casca luzidia, revestida de escamas romboidais e de um amarelo alaranjado, desafia por algum tempo o férreo bico das araras. Também, com que vigor trabalham as barulhentas aves antes de conseguir a apetecida e saborosa amêndoa! Em grupos juntam-se elas, umas vermelhas como chispas soltas de intensa labareda, outras versicolores, outras, pelo contrário, de todo azuis, de maior viso e que, por parecerem negras em distancia, têm o nome de araraúnas. Ali ficam alcandoradas, balouçando-se gravemente e atirando de espaço a espaço, às imensidades das dilatadas campinas notas estridentes, quando não seja um clamor sem fim, ao quererem multas disputar o mesmo cacho. Quase sempre, porém, estão a namorar-se aos pares, pousadas uma bem encostadinha à outra. Vê tudo aquilo o sertanejo com olhar carregado de sono. Caem-lhe pesadas as pálpebras; bem se lembra de que por ali podem rastejar venenosas alimárias, mas é fatalista; confia no destino e, sem mais preocupação, adormece com serenidade. Correm as horas vem o Sol descambando; refresca a brisa, e sopra rijo o vento. Não ciciam mais os buritis; gemem, e convulsamente agitam as flabeladas palmas. É a tarde que chega. Desperta então o viajante; esfrega os olhos; distende preguiçosamente os braços; boceja; bebe um pouco d'água; fica uns instantes sentado, a olhar de um lado para outro, e corre afinal a buscar o animal, que de pronto encilha e cavalga. Uma vez montado, lá vai ele a passo ou a trote, bem disposto de corpo e de espírito, por aqueles caminhos além, em demanda de qualquer pouso onde pernoite. Quanta melancolia baixa à terra com o cair da tarde! Parece que a solidão alarga os seus limites para se tornar acabrunhadora. Enegrece o solo; formam os matagais sombrios, maciços, e ao longe se desdobra tênue véu de um roxo uniforme e desmaiado, no qual, como linhas a meio apagadas, ressaltam os troncos de uma ou outra palmeira mais alterosa. É a hora, em que se aperta de inexplicável receio o coração. Qualquer ruído nos causa sobressalto; ora o grito aflito da zabelê nas matas, ora as plangentes notas do bacurau a cruzar os ares. Freqüente é também amiudarem-se os pios angustiados de alguma perdiz, chamando ao ninho o companheiro extraviado, antes que a escuridão de todo lhe impossibilite a volta. Quem viaja atento às impressões intimas, estremece, mau grado seu, ao ouvir nesse momento de saudades o tanger de um sino muito, muito ao longe, ou o silvar distante de uma locomotiva impossível. São insetos ocultos na macega que trazem essa ilusão, por tal modo viva e perfeita que a imaginação, embora desabusada e prevenida, ergue o vôo e lá vai por estes mundos afora a doidejar e a criar mil fantasias.
- E dá-se com o major? perguntou Pereira para abrir novo campo à garrulice. - Quando pousei na vila, estive com ele. - E não gostou? Aquilo sim é homem às direitas. Também é pau para toda a obra na Senhora Sant'ana, é o tutu de lá. Em querendo taramelar um pouco mais a meu gosto, busco o compadre. Isto arma logo uma conversa que me dá um fartão... E depois pessoa de muitas letras... Escreve ao governo; é juiz de paz, major reformado, serve de juiz municipal, já fez a campanha dos Farrapos lá no Rio Grande do Sul para as bandas dos Castelhanos e merece muita estimação. Mora numa casa de andar e tem loja muito sortida, por sinal que bem baratinha para a distancia. E as histórias que conta? f: um nunca acabar. O homem parece que sabe o Império de cor e salteado! Nem o vigário! Olhe, Senhor Cirino, vou dizer-lhe uma coisa, que talvez lhe pareça embromação: às vezes dou um pulo até a vila só para bater língua com o major, porque com esta gente daqui não se tira partido: escorraçada e arisca que é um Deus nos acuda! Então, como lhe ia contando, galopeio até lá, e pego numa mapiagem que me enche as medidas. Não há... - Gabo-lhe a pachorra, atalhou Cirino. Mas, diga-me, Senhor Pereira; farei por aqui algum negócio? - Homem, conforme. Gente doente é mato; mas também mofina como ela só. Meio arredado da minha casa, fica o Coelho que está morre não morre há muitos anos, e é homem de boas patacas. Este, se vosmecê o curar, talvez caia com os cobres. Tudo o mais é uma récula de gente mais ou menos. - Vosmecê traz bastante quina do comércio? perguntou em seguida. - Trago, respondeu Cirino, mas é cara. - Que é cara, bem sei. Pois é quanto basta, porque no fundo aqui tudo são serões. Começou então o bom do Senhor Pereira a desenrolar as diversas moléstias que o haviam salteado no correr da vida, raras na verdade, mas todas perigosas; e com este tema às ordens achou meios e modos de falar até quase perder o fôlego. Recolheu-se o outro ao silencio e ouviu talvez preocupado, ou em todo caso, muito distraidamente, o que lhe contava o seu novo amigo, saindo, de vez em quando, da apática atenção para instigar com a voz e o calcanhar a cavalgadura, quando esta parecia querer por si tomar descanso ou buscava comer os rebentões mais apetitosos do capim a grelar. Afinal notou Pereira o tal ou qual abatimento do companheiro. - Vosmecê a modo que está triste? disse ele. Deixou alguma coisa de seu lá por trás? - Homem, para ser franco, respondeu Cirino dando um suspiro, deixei; e essa coisa é uma dívida... dívida de jogo. - Isto é mau, retrucou o mineiro, fechando um tanto a cara. Por causa desse vicio e das mulheres, é que as cruzes nascem à beira das estradas. Mas é coco grosso? - Trezentos mil-réis. - Já é gimbo graúdo. E com quem jogou? - Com o Totó Siqueira, de Sant'Ana. Por isto pretendeu atrasar-me a viagem; mas prometi mandar-lhe tudo do Sucuriú por um camarada e passei-lhe um papel. No que estou pensando, e se acharei até lá meios de cumprir a palavra. - Se lhe pagarem como devem, com certeza. Em todo o caso aperte um pouco com os doentes.
Gente ne ajudem com uma questão aí quem é inteligente ksks... Cirino é um dos protagonistas da história. Apesar de ser o par romântico de Inocência, ele não é exatamente o personagem heroico típico do Romantismo. O moço tem grandes falhas reveladas durante a narrativa, mas que passam sem ter nenhum julgamento negative pelo leitor, pelo foco amoroso e romântico qu lhe é dado. Comente sobre o personagem Cirino, revelando essas duas nuances que ele possui na história.
Olá, patrício, exclamou ele conchegando a cavalgadura à da pessoa a quem interpelava, então se vai botando para Camapuã? Olhou o nosso cavaleiro com desconfiança e sobranceria para quem o interrogava tão sem-cerimônia e meio enviesado respondeu: - Talvez sim... talvez não... Mas a que vem a pergunta? - Ah! desculpe-me, replicou o outro rindo-se, nem sequer o saudei... Sou mesmo um estabanado... Deus esteja convosco. Isto sempre me acontece... A minha língua fica às vezes tão doida que se põe logo a bater-me nos dentes... que é um Deus nos acuda e... não há que avisar: água vai! Olhe, por vezes já me tem vindo dano, mas que quer? É sestro antigo... Não que eu sela malcriado, Deus de tal me defenda, abrenúncio; mas pega-me tal comichão de falar que vou logo, sem tir-te, nem guar-te, dando à taramela... A volubilidade com que foram ditas estas palavras causou certo espanto ao mancebo e o levou a novamente encarar o inopinado companheiro, desta feita com mais demora e ar menos altivo. Notou então a fisionomia alegre e bonachã do tagarela e, com ar de simpatia, correspondeu ao comunicativo sorriso daquele que, à força, queria travar conversação. - Pelo que vejo, disse ele, o senhor gosta de prosear. - Ora se! retrucou o mineiro. Nestes sertões só sinto a falta de uma coisa: é de um cristão com quem de vez em quando dê uns dedos de pérola. Isto sim, por aqui é casqueiro. Tudo anda tão calado!... uma verdadeira caipiragem!... Eu, não. sou das Gerais, gelaria como por cá se diz; nasci no Paraibana, conheci no meu tempo pessoas de muita educação, gente mesma de traz e fui criado na Mata do Rio como homem e não como bicho do monte. - Ah! o senhor é de Minas? - Gerais, se me faz favor. Batizei-me em Vassouras, mas sou mineiro da gema. Andei ceca e meca antes de vir deitar poita neste país. Isto já faz muito tempo, pois também vou ficando velho. Há mais de quarenta anos pelo menos que sai da casa dos meus pais. E interrompendo o que dizia, perguntou: - O senhor também é de Minas? - Nhor-não, respondeu o outro. Sou caipira de São Paulo: nasci na Vila de Casa Branca, mas fui criado em Ouro Preto. - Ah! na cidade Imperial ?... - Lá mesmo. - Então é quase de casa, replicou o mineiro rindo-se ruidosamente. Ora, quem diria! Por isto me batia a passarinha, quando vi o seu rasto fresco na areia. Ai vai, disse eu por vezes com os meus botões, um sujeitinho que não tem pressa de pousar. Também tocando o meu canivete, tratei de agarrá-lo para não fazer a viagem a olhar para o céu e a bancar. Acha que obrei mal? - Não, senhor, protestou o moço com afabilidade. Muito lhe agradeço a intenção. Assim alcançarei sem cansaço o Leal, onde pretendo dar hoje com os ossos
Livro muito bom!
Capítulo I 00:00:00
Capítulo II 00:20:09
Capítulo III 00:40:07
Capítulo IV 00:49:47
Capítulo V 01:00:07
Capítulo VI 01:09:14
Capítulo VII 01:20:38
Capítulo VIII 01:26:50
capítulo IX 01:38:04
Capítulo X 01:45:32
Capítulo XI 02:03:41
capítulo XII 02:12:30
Capítulo XIII 02:20:35
Capítulo XIV 02:30:40
Capítulo XV 02:43:35
Capítulo XVI 02:55:30
Capítulo XVII 03:14:54
Capítulo XVIII 03:22:40
Capítulo XIX 03:36:20
capítulo XX 03:45:05
Capítulo XXI 03:52:55
capítulo XXII 03:58:25
Capítulo XXIII 04:07:30
Capítulo XXIV 04:20:50
Capítulo XXV 04:32:15
Capítulo XXVI 04:38:55
Capitulo XXVII 04:44:05
Capítulo XXVIII 04:52:32
Capítulo XXIX 05:06:50
Capítulo XXX 05:18:40
Capítulo XXXI 05:29:00
Abençoado seja
Obrigado por compartilhar esta obra de grande valor.
simplesmente perfeito
Prova amanhã,e eu aqui tentando absorver quase 6 horas do livro😐
carajo,só tô ouvindo pq tenho que fazer um trabalho
Emily Camily eu tbm rsrsrsrsrs
E eu também, rs
Emily Camily eu também. 😂
É nozeesss kakaka
Que isso, o livro é mt bom
Muito bom esse narrador. Um dos melhor livro feito em nossa língua. Like.
CD 22
CD 10 - 1:45:32
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CD 12 - 2:12:30
CD 13 - 2:20:35
CD 14 - 2:30:40
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CD 30 - 5:18:40
CD 31 - 5:29:00
anjo
salvo, obgg
Os CDs são os Cap?
@@espadadepvc1946 simmm
Prova amanhã, e como tenaz incompetente que sou, deixo de ler este livro antes para tentar compreender e absorver um audio de quase 6 horas no último minuto 😌 📖 ( volto amanhã para falar quanto tirei na prova)
Edit: tirei 9,7 na prova e nem li o livro, só fiz resumo
O seu ainda é prova , eu tenho que apresentar esse livro , e ainda terá perguntas
Mano, muito obrigado aos responsáveis, me ajudou muito, tenho dificuldade em ler
Ótimo livro!!!
Só tenho a agradecer. Deus abençoe!
Corta extensa e quase despovoada zona da parte sul-oriental da vastíssima
província de Mato Grosso a estrada que da Vila de Sant'Ana do Paranaíba vai ter ao
sitio abandonado de Camapuã. Desde aquela povoação, assente próximo ao vértice
do ângulo em que confinam os territórios de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato
Grosso até ao Rio Sucuriú, afluente do majestoso Paraná, isto é, no
desenvolvimento de muitas dezenas de léguas, anda-se comodamente, de
habitação em habitação, mais ou menos chegadas umas às outras, rareiam, porem,
depois as casas, mais e mais, e caminham-se largas horas, dias inteiros sem se ver
morada nem gente até ao retiro de João Pereira, guarda avançada daquelas
solidões, homem chão e hospitaleiro, que acolhe com carinho o viajante desses
alongados paramos, oferece-lhe momentâneo agasalho e o provê da matalotagem
precisa para alcançar os campos de Miranda e Pequiri, ou da Vacaria e Nioac, no
Baixo Paraguai.
Ali começa o sertão chamado bruto.
Pousos sucedem a pousos, e nenhum teto habitado ou em ruínas, nenhuma
palhoça ou tapera dá abrigo ao caminhante contra a frialdade das noites, contra o
temporal que ameaça, ou a chuva que está caindo. Por toda a parte, a calma da
campina não arroteada; por toda a parte, a vegetação virgem, como quando aí
surgiu pela vez primeira.
A estrada que atravessa essas regiões incultas desenrola-se à maneira de
alvejante faixa, aberta que é na areia, elemento dominante na composição de todo
aquele solo, fertilizado aliás por um sem-número de límpidos e borbulhantes regatos,
ribeirões e rios, cujos contingentes são outros tantos tributários do claro e fundo
Paraná ou, na contravertente, do correntoso Paraguai.
Essa areia solta, e um tanto grossa, tem cor uniforme que reverbera com
intensidade os raios do Sol, quando nela batem de chapa. Em alguns pontos é tão
fofa e movediça que os animais das tropas viageiras arquejam de cansaço, ao
vencerem aquele terreno incerto, que lhes foge de sob os cascos e onde se
enterram até meia canela.
Freqüentes são também os desvios, que da estrada partem de um e outro
lado e proporcionam, na mata adjacente, trilha mais firme, por ser menos pisada
Tenho só 2 dias pra prova na Universidade ainda bem que achei o áudio do livro me salvou 😁 pq não conseguia ler o livro todo a tempo ...
Te garanto que você conseguiria! O livro é bem pequeno!
O dia 15 de julho de 18é0 era dia claro, sereno e fresco, como costumam ser
os chamados de inverno no interior do Brasil.
Ia o Sol alto em seu percurso, iluminando com seus raios, não muito ardentes
para regiões intertropicais, a estrada, cujo aspecto há pouco tentamos descrever e
que da Vila de Sant'Ana do Paranaíba vai ter aos campos de Camapuã.
A essa hora, um viajante, montado numa boa besta tordilho-queimada, gorda
e marchadeira, seguia aquela estrada. A sua fisionomia e maneiras de trajar
denunciavam de pronto que não era homem de lida fadigosa e comum ou algum
fazendeiro daquelas cercanias que voltasse para casa. Trazia na cabeça um
chapéu-do-chile de abas amplas e cingido de larga fita preta, sobre os ombros um
poncho-pala de variegadas cores e calçava botas de couro da Rússia bem feitas e
em bom estado de conservação.
Tinha quando muito vinte e cinco anos, presença agradável, olhos negros e
bem rasgados, barba e cabelos cortados quase à escovinha e ar tão inteligente
quanto decidido.
Na mão empunhava uma comprida vara que havia pouco cortara, e com que
ia distraidamente fustigando o ar ou batendo nos ramos de árvores que se dobravam
ao alcance do braço.
Vinha só e, no momento em que damos começo a esta singela história,
achava-se no bonito trecho de caminho que medeia entre a casa de Albino Lata e a
do Leal, a sete boas léguas da sezonática e decadente Vila de Sant'Ana do
Paranaíba
Nesta porção de estrada, ensombrada pelas árvores de vistoso cerrado, o
leito, ainda que já bastante arenoso, é firme e parece mais aléia de bem tratado
jardim, do que caminho de tropas e carreadores.
Ainda aumenta os encantos daquele lance a inúmera quantidade de rolas
caboclas a brincar na areia e de pombas de cascavel, cujo bater das asas produz
um arruído tão característico e singular.
O nosso viajante, se caminhava distraído e meio pensativo, não parecia,
contudo, de gênio sombrio ou pouco divertido.
Muito ao contrário, sacudia as vezes o torpor em que vinha e entrava a
cantarolar, ou assobiar, esporeando a valente cavalgadura, que na marcha que
tomava ia abanando alternadamente as orelhas com o movimento cadencial da
cabeça.
Numa dessas reações contra alguma preocupação, disse em voz alta,
puxando por um relógio de prata, seguro em corrente do mesmo metal:
- Às duas horas, pretendo sestear no paiol do Leal. Falta pouco para o
meio-dia, e tenho tempo diante de mim a botar fora.
Moderou, pois, a andadura que levava o animal e mais ativamente recomeçou
a zurzir os galhos das árvores, bocejando de tédio.
Também pouco tempo caminhou só, por isto que em breve ao seu lado
emparelhou outro viajante, escanchado num cavalinho feio e zambro, mas muito
forte, o qual, coberto como estava de suor, mostrava ter vindo quase a galope.
Homem já de alguma idade, o recém-chegado era gordo, de compleição
sangüínea, rosto expressivo e franco. Trajava à mineira e parecia, como realmente
era, morador daquela localidade.
2:43:35 - CD 15
3:36:22 - CD 19
Te amo vini
Oh! - exclamou o outro todo expansivo, a caminhada é a mesma. Pois,
meu rico senhor, eu moro a meia légua do Leal, torcendo a esquerda e se vosmecê
não tem compromissos lá com o homem, far-me-á muito favor agasalhando-se em
teto de quem é pobre, mas amigo de servir. Minha tapera é pouco retirada do
caminho, e quem vem montado como o senhor, não tem que andar contando bo-
cadinhos de léguas.
Convite tão espontâneo e amável não podia deixar de ser bem aceito,
sobretudo naquelas alturas, e trouxe logo entre os dois caminhantes a familiaridade
que tão depressa se estabelece em viagem.
- Com toda a satisfação irei parar em sua casa, retrucou o jovem. Nunca vi o
Leal, pois agora é a primeira vez que cruzo este sertão, e ando de pouso em pouso,
pedindo um cantinho de paiol ou de rancho para passar a noite com os meus
camaradas.
- Traz então tropa?
- Tropa, não; apenas dois bagageiros que vêm com as minhas cargas e uma
besta à destra.
- Olá! o amigo viaja à fidalga, observou o mineiro com gesto folgazão.
- Qual!... Bastantes privações tenho já curtido.
- Decerto não as sentirá em nossa casa todo o tempo que lá quiser ficar.
Não encontrará luxarias nem coisas da capital, unicamente o que pode ter nestes
mundos: quatro paredes de pau-a-pique mal rebocadas, uma cama de vento, bom
feijão a fartar, ervas a mineira, arroz de papa, farinha de milho torradinha, café com
rapadura e talvez até um lombo fresco de porco.
- Olá! exclamou o moço rindo-se com expansão, vou passar vida de
capitão-mor. Não queria tanto, bastava-me...
- O que sobretudo desejo é que tenha comigo o coração na boca. Se não
gostar do passadio, vá logo desembacharido. Na minha rancharia pousa pouca
gente, porque fica para dentro da estrada... assim, talvez lhe falte alguma coisa; em
todo o caso farei pelo melhor . . .
Depois de breve pausa, continuou:
- Mas porém, creio que já é ocasião, agora que nos conhecemos como dois
amigos do tempo do Rojão, saber com quem lidamos. Eu, quanto a mim, me chamo
Martinho dos Santos Pereira e a minha história conto-lha em duas palhetadas... Sua
graça, ainda que mal pergunte?
- Cirino Ferreira de Campos, respondeu o outro viajante, um criado para o
servir.
- Obrigado, agradeceu Pereira inclinando-se cortesmente e levando a mão
ao chapéu. Como lhe disse há pouco, minha historia é história de entrar por uma
porta e sair por outra. Minha gente não é de má raça, pelo contrário; meu pai, que
Deus lhe dê a glória, possuía alguma coisa de seu e deixou aos seus muitos filhos
um nome limpo e respeitado. Cada qual de nós- éramos sete- tomou o seu rumo.
Quanto a mim, casei muito mocinho e fui morar na Diamantina, onde abri casa de
negócio. Depois de alguns anos, uns bons, outros caiporas, morreu minha dona e
mudei-me, a principio, para Pinmi e mais tarde para Uberaba. A vida começou a
desandar-me de todo, e fiz logo este cálculo: estar tão longe, antes afundar-me no
mato de uma boa feita. Vendi minha lojinha de ferragens e internei-me até cá com
três escravos. lá doze anos que moro nestes socavões e, palavra de honra, até ao
presente não me tenho arrependido. Na minha situação há fartura, e louvado seja!
nunca passei necessidade... Não posso por isto queixar-me sem ingratidão. Deus
Nosso Senhor Jesus Cristo tem olhado para mim, e me julgo bem amparado,
sobretudo quando me lembro do despotismo de misérias, que vai por estas terras
fora... Cruzes! nem falar nisto é bom... Diga-me porém uma coisa: vosmecê para
onde se atira?
- Homem, Senhor Pereira, não tenho destino certo.
- Deveras? Então esta caminhando à toa?
- Eu ponho-lhe já tudo em pratos limpos. Ando por estes fundões curando
maleitas e feridas bradas.
- Ah! exclamou Pereira com manifesto contentamento, vosmecê é doutor,
não é? Físico, como chamavam os nossos do tempo de dantes.
- É fato, confirmou Cirino com alguma satisfação.
- Ora, pois multo bem, cai-me a sopa no mel; sim, senhor, vem mesmo ao
pintar... a talhe de foice.
- Por quê?
- Daqui a pouco saberá... Mas, diga-me ainda... Onde é que vosmecê leu
nos livros, aprendeu suas historias e bruxarias? Na corte do Império?
- Não, respondeu Cirino, primeiro no Colégio do Caraça; depois fui para
Ouro Preto, onde tirei carta de farmácia.
E acrescentou com enfatuação:
- Desde então tenho batido todo o poente de Minas e feito curas que é um
milagre.
- Ah! a sabença é coisa boa. . . eu também tinha jeito para saber mais do
que ler e escrever, isto mesmo mulmente; mas quem nasceu para carreiro, vira,
mexe, larga e pega, sempre acaba junto ao carro. Com o que, entonces, vosmecê
entende de curar?...
- Entendo, afirmou Cirino sem o menor constrangimento.
- Pois caiu-me muito ao jeito na mão; sim, senhor. Estou com uma menina
doente de maleitas, minha filha, e por essa causa tinha ido a Sant'Ana buscar quina
do comércio; mas lá não havia da maldita e voltava bem agoniado. Ora...
- Trago, interrompeu o outro, muito remédio nas minhas malas. Para sezões,
tenho uma composição infalível...
- Já se sabe; entra composição de quina. Deveras é santa mezinha. A
pequena tomou a do campo; mas essa pouco talento tem, de maneira que a sezão
não lhe deixou o corpo.
- Há quantos dias apareceu o tremor de frio? perguntou o intitulado doutor.
- Faz hoje, salvo engano, dez dias.
Até agora era uma rapariga forçada, sadia e rosada como um lambo; nem sei
ate como lhe entrou a maleita no corpo. Ninguém pode fiar-se na tal Vila de
Sant'Ana; é uma peste de febres. Eu bem a não Queria levar até lá: mas ela pediu
tanto age consenti! Demais como era para ver a madrinha, uma boa senhora, de
muita circunstância, a mulher do Major Melo Toques. .. Não conhece?
- Pois não
Mano kkkkkkk obrigada, estava desesperada atrás do livro em áudio.
Inocência também morreu?
Sim
Sim, morreu de "febre de amor"
Isso não foi a Helena não ??
O VIAJANTE
Próprio de espírito sorumbático, é andar sempre calado: tagarelar é o encanto
e a alma da vida.
La Chaussée. Comigo, respondeu Sancho, meu primeiro movimento é logo tal
comichão de falar que não posso deixar de desembuchar o que me vem A boca.
Cervantes, D. Quixote.
odiei ler o livro mas o mesmo em áudio eu amei, obrigado
Muito obgd ❤❤❤❤so tenho 2 dias pra apresentar esse trabalho
1:00 começa
Por favor faça os outros contos de Sagarana.
"A hora e a vez de Augusto Matraca" estava simplesmente brilhante.
Outra coisa, cara, esse é um dos melhores canais em Portugues; voces deveriam ter um milhao de assinantes.
Os professores deveriam indicar o canal para a garotada.
avermelhados clarões sem uma sombra, um sorriso, uma esperança de vida, com
todas as suas opulências e verdejantes pimpolhos ocultos, como que raladas de dor
e mudo desespero por não poderem ostentar as riquezas e galas encerradas no
ubertoso seio.
Nessas aflitas paragens, não mais se ouve o piar da esquiva perdiz, tão
freqüente antes do incêndio. Só de vez em quando ecoa o arrastado guincho de
algum gavião, que paira lá em cima ou bordeja ao chegar-se à terra, a fim de agarrar
um ou outro réptil chamuscado do fogo que lavrou.
Rompe também o silêncio o grasnido do caracará, que aos pulos procura
insetos e cobrinhas ou, junto ao solo, segue o vôo dos urubus, cujos negrejantes
bandos, guiados pelo fino olfato, buscam a carniça putrefata.
É o caracará comensal do urubu. De parceria se atira, quando urgido pela
fome, à rês morta e, intrometido como é, a custo de alguma bicada do pouco amável
conviva, belisca do seu lado no imundo repasto.
Se passa o caracará a vista do gavião, precipita-se este sobre ele com vôo
firme, dá-lhe com a ponta da asa, atordoa-o, atormenta-o só pelo gosto de lhe
mostrar a incontestada superioridade.
Nada, com efeito, o mete em brios.
Pelo contrário, mal levou dois ou três encontrões do miúdo, mas audaz
adversário, baixa prudente à terra e põe-se ai desajeitadamente aos saltos.
apresentando o adunco bico ao antagonista, que com a extremidade das asas
levanta pó e cinza, tão de perto as arrasta ao chão.
Afinal, de cansado, deixa o gavião o folguedo, segurando de um bote a
serpesinha, que em custoso rasto, procurava algum buraco onde fosse, mais a
salvo, pensar as fundas queimaduras.
* * *
Tais são os campos que as chuvas não vêm regar.
Com que gosto demanda então o sertanejo os capões que lá de bem longe se
avistam nas encostas das colinas e baixuras, ao redor de alguma nascente orlada
de pindaíbas e buritis?!
Com que alegria não saúda os formosos coqueirais, núncios da linfa que lhe
há de estancar a sede e banhar o afogueado rosto?!
Enfileiram-se às vezes as palmeiras com singular regularidade na altura e
conformação; mas não raro amontoam-se em compactos maciços, dos quais se
segregam algumas mais e mais, a acompanhar com as raízes qualquer tênue fio
d'água, que coleia falto de forças e quase a sumir-se na ávida areia.
Desde longe dão na vista esses capões.
É a princípio um ponto negro, depois uma cúpula de verdura, afinal, mais de
perto, uma ilha de luxuriante rama, oásis para os membros lassos do viajante
exausto de fadiga, para os seus olhos encandeados e sua garganta abrasada.
Então, com sofreguidão natural, acolhe-se ele ao sombreado retiro, onde
prestes desarreia a cavalgadura, à qual dá liberdade para ir pastar, entregando-se
sem demora ao sono reparador que lhe trará novo alento para prosseguir na
cansativa jornada.
Ao homem do sertão afiguram-se tais momentos incomparáveis acima de
tudo quanto possa idear a imaginação no mais vasto circulo de ambições.
Satisfeita a sede que lhe secara as fauces, e comidas umas colheres de
farinha de mandioca ou de milho, adoçada com rapadura, estira-se a fio comprido
Espalham-se, por fim, as sombras da noite.
O sertanejo que de nada cuidou, que não ouviu as harmonias da tarde, nem
reparou nos esplendores do céu, que não viu a tristeza a pairar sobre a terra, que de
nada se arreceia, consubstanciado como está com a solidão, pára, relanceia os
olhos ao derredor de si e, se no lagar pressente alguma aguada, por má que seja,
apeia-se, desencilha o cavalo e reunindo logo uns gravetos bem secos, tira fogo do
isqueiro, mais por distração do que por necessidade.
Sente-se deveras feliz. Nada lhe perturba a paz do espírito ou o bem-estar do
corpo. Nem sequer monologa, como qualquer homem acostumado a conversar.
Raros são os seus pensamentos: ou rememora as léguas que andou, ou
computa as que tem que vencer para chegar ao término da viagem.
No dia seguinte, quando aos clarões da aurora acorda toda aquela esplêndida
natureza, recomeça ele a caminhar, como na véspera, como sempre.
Nada lhe parece mudado no firmamento: as nuvens de si para si são as
mesmas. Dá-lhe o Sol, quando muito, os pontos cardeais, e a terra só lhe prende a
atenção, quando algum sinal mais particular pode servir-lhe de marco miliário na
estrada que vai trilhando.
- Bom! exclama em voz alta e alegre ao avistar algum madeiro agigantado
ou uma disposição especial de terras, lá está a peúva grande... Cheguei ao
Barranco Alto. Até ao pouso de Jacaré há quatro léguas bem puxadas.
E, olhando para o Sol, conclui:
- Daqui a três horas estou batendo fogo.
Ocasiões há em que o sertanejo dá para assobiar. Cantar, é raro; ainda
assim, à surdina; mais uma voz intima, um rumorejar consigo, do que notas saídas
do robusto peito. Responder ao pio das perdizes ou ao chamado agoniado da
esquiva jaó, é o seu divertimento em dias de bom humor.
É-lhe indiferente o urro da onça. Só por demais repara nas muitas pegadas,
que em todos os sentidos ficam marcadas na areia da estrada.
- Que bichão! murmura ele contemplando um rasto mais fortemente
impresso no solo; com um bom onceiro não se me dava de acuar este diabo e
meter-lhe uma chumbada no focinho.
O legitimo sertanejo, explorador dos desertos, não tem, em geral, família.
Enquanto moço, seu fim único é devassar terras, pisar campos onde ninguém antes
pusera pé, vadear rios desconhecidos, despontar cabeceiras e furar matas, que
descobridor algum ate então haja varado.
Cresce-lhe o orgulho na razão da extensão e importância das viagens
empreendidas; e seu maior gosto cifra-se em enumerar as correntes caudais que
transpôs, os ribeirões que batizou, as serras que transmontou e os pantanais que
afoitamente cortou, quando não levou dias e dias a rodeá-los com rara paciência.
Cada ano que finda traz-lhe mais um valioso conhecimento e acrescenta uma
pedra ao monumento da sua inocente vaidade.
- Não imagina, replicou Cirino com verdadeiro sentimento, quanto me tem
amofinado essa maldita dívida. Não pelo dinheiro, que dele faço pouco caso; mas
por ter pegado em cartas, coisa que nunca tinha feito na minha vida; isto sim...
- Pois meu rico senhor, prosseguiu Pereira, sirva-lhe esta de lição e tome
tento com a gente do sertão, não com esses que moram -nas suas casas,
sossegados e amigos de servir, mas com viajantes, homens de tropas e carreiros.
Isso sim, é uma súcia de jogadores, que andam armados de baralhas e vísporas e,
por dá cá aquela palha, empurram uma faca na barriga de um cristão ou
descarregam uma garrucha na cabeça de um companheiro, como se fosse em
melancia podre. Depois, o demônio do jogo, quando entra no corpo de um des-
graçado, faz logo ninho e de lá pincha fora a vergonha. Da má vida com raparigas
airadas, fadistas e mulheres à toa, ainda a gente endireita; mas com cartas e sortes,
só na caldeira de Pedro Botelho é que se cuida em mudar de rumo. Quem lhe fala,
teve um tio morador nas Trairás, para cá de Camapuã cinco léguas, que trabalhava
todo o ano na terra para vir jogar até perder o último cobre nas rancharias do
Sucuriú.
Pereira, de posse de tão largo assunto, contou mil historias, umas lúgubres,
outras jocosas, verídicas, inventadas na ocasião ou reproduzidas.
Haviam, no entretanto, os dois caminhado bastante. Inclinara-se no horizonte
o Sol, e a brisa da tarde já vinha soprando do lado do poente, viva, perfumosa.
- Nós, observou o mineiro, com a nossa conversa deixamos os nossos
animais vir cochilando. Também já está aqui a minha estradinha. Meta-se nela,
Senhor Cirino; em frente ia parar no Leal: minha fazendola começa neste ponto à
beira do caminho e vai por ai afora ate bem longe, um mundo de alqueires de terra
que nem tem conta.
Ao dizer estas palavras, tomou ele a dianteira e dando a direita à estrada
geral, enveredou por uma aberta larga e muito sombreado que levava com voltas e
tortuosidades à margem rasa de copioso e límpido ribeirão, de álveo areento, todo
ele. Que sítio risonho, encantador, esse, ensombrado por majestosa e elegante
ingazeira, toda pontuada das mimosas e balsâmicas florezinhas!
Os animais, ao perceberem o bater da água, apertaram o passo e, entrando
na fresca corrente quase até aos peitos, estiraram o pescoço e puseram-se a beber
ruidosamente, avançando aos poucos de encontro ao fio caudal, para buscarem o
que houvesse mais puro em linfa.
- Não deixe a sua besta se empanainar observou Pereira. Upa! continuou
ele puxando pela rédea do cavalo e batendo-lhe amigavelmente na pá do pescoço,
upa, Canivete! Vamos matar a fome no milho!
Transposto o ribeirão, alargava-se a vereda e, depois de cortar copada mata,
abria-se numa verdadeira estrada, que os dois cavaleiros tomaram a meio galope.
Transmontava afinal o Sol, quando, atem de ralo matagal, surgiu a ponta de
um mastro de São João, que o mineiro saudou com mostras de grande alegria,
como sinal precursor da querida vivenda.
Antes, porem, de nela penetrarmos, digamos quem era aquele mancebo que
viajava ornado do pomposo titulo de doutor, e, que mais é, revestido de autoridade
para ir, a seu talante aplicando remédios e preconizando curas milagrosas.
sobre os arreios desdobrados e contempla descuidoso o firmamento azul, as nuvens
que se espacejam nos ares, a folhagem lustrosa e os troncos brancos das pindaíbas
a copa dos ipês e as palmas dos buritis a ciciar a modo de harpas eólias, músicas
sem conta com o perpassar da brisa.
Como são belas aquelas palmeiras!
O estípite liso, pardacento, sem manchas mais que pontuadas estrias,
sustenta denso feixe de pecíolos longos e canulados, em que assentam flabelas
abertas como um leque, cujas pontas se acurvam flexíveis e tremulantes.
Na base em torno da coma, pendem, amparados por largas espatas, densos cachos
de cocos tão duros, que a casca luzidia, revestida de escamas romboidais e de um
amarelo alaranjado, desafia por algum tempo o férreo bico das araras.
Também, com que vigor trabalham as barulhentas aves antes de conseguir a
apetecida e saborosa amêndoa! Em grupos juntam-se elas, umas vermelhas como
chispas soltas de intensa labareda, outras versicolores, outras, pelo contrário, de
todo azuis, de maior viso e que, por parecerem negras em distancia, têm o nome de
araraúnas. Ali ficam alcandoradas, balouçando-se gravemente e atirando de espaço
a espaço, às imensidades das dilatadas campinas notas estridentes, quando não
seja um clamor sem fim, ao quererem multas disputar o mesmo cacho. Quase
sempre, porém, estão a namorar-se aos pares, pousadas uma bem encostadinha à
outra.
Vê tudo aquilo o sertanejo com olhar carregado de sono. Caem-lhe pesadas
as pálpebras; bem se lembra de que por ali podem rastejar venenosas alimárias,
mas é fatalista; confia no destino e, sem mais preocupação, adormece com
serenidade.
Correm as horas vem o Sol descambando; refresca a brisa, e sopra rijo o
vento. Não ciciam mais os buritis; gemem, e convulsamente agitam as flabeladas
palmas.
É a tarde que chega.
Desperta então o viajante; esfrega os olhos; distende preguiçosamente os
braços; boceja; bebe um pouco d'água; fica uns instantes sentado, a olhar de um
lado para outro, e corre afinal a buscar o animal, que de pronto encilha e cavalga.
Uma vez montado, lá vai ele a passo ou a trote, bem disposto de corpo e de
espírito, por aqueles caminhos além, em demanda de qualquer pouso onde pernoite.
Quanta melancolia baixa à terra com o cair da tarde!
Parece que a solidão alarga os seus limites para se tornar acabrunhadora.
Enegrece o solo; formam os matagais sombrios, maciços, e ao longe se desdobra
tênue véu de um roxo uniforme e desmaiado, no qual, como linhas a meio
apagadas, ressaltam os troncos de uma ou outra palmeira mais alterosa.
É a hora, em que se aperta de inexplicável receio o coração. Qualquer ruído
nos causa sobressalto; ora o grito aflito da zabelê nas matas, ora as plangentes
notas do bacurau a cruzar os ares. Freqüente é também amiudarem-se os pios
angustiados de alguma perdiz, chamando ao ninho o companheiro extraviado, antes
que a escuridão de todo lhe impossibilite a volta.
Quem viaja atento às impressões intimas, estremece, mau grado seu, ao ouvir
nesse momento de saudades o tanger de um sino muito, muito ao longe, ou o silvar
distante de uma locomotiva impossível. São insetos ocultos na macega que trazem
essa ilusão, por tal modo viva e perfeita que a imaginação, embora desabusada e
prevenida, ergue o vôo e lá vai por estes mundos afora a doidejar e a criar mil
fantasias.
- E dá-se com o major? perguntou Pereira para abrir novo campo à
garrulice.
- Quando pousei na vila, estive com ele.
- E não gostou? Aquilo sim é homem às direitas. Também é pau para toda a
obra na Senhora Sant'ana, é o tutu de lá. Em querendo taramelar um pouco mais a
meu gosto, busco o compadre. Isto arma logo uma conversa que me dá um fartão...
E depois pessoa de muitas letras... Escreve ao governo; é juiz de paz, major
reformado, serve de juiz municipal, já fez a campanha dos Farrapos lá no Rio
Grande do Sul para as bandas dos Castelhanos e merece muita estimação. Mora
numa casa de andar e tem loja muito sortida, por sinal que bem baratinha para a
distancia. E as histórias que conta? f: um nunca acabar. O homem parece que sabe
o Império de cor e salteado! Nem o vigário! Olhe, Senhor Cirino, vou dizer-lhe uma
coisa, que talvez lhe pareça embromação: às vezes dou um pulo até a vila só para
bater língua com o major, porque com esta gente daqui não se tira partido:
escorraçada e arisca que é um Deus nos acuda! Então, como lhe ia contando,
galopeio até lá, e pego numa mapiagem que me enche as medidas. Não há...
- Gabo-lhe a pachorra, atalhou Cirino. Mas, diga-me, Senhor Pereira; farei
por aqui algum negócio?
- Homem, conforme. Gente doente é mato; mas também mofina como ela
só. Meio arredado da minha casa, fica o Coelho que está morre não morre há muitos
anos, e é homem de boas patacas. Este, se vosmecê o curar, talvez caia com os
cobres. Tudo o mais é uma récula de gente mais ou menos.
- Vosmecê traz bastante quina do comércio? perguntou em seguida.
- Trago, respondeu Cirino, mas é cara.
- Que é cara, bem sei. Pois é quanto basta, porque no fundo aqui tudo são
serões.
Começou então o bom do Senhor Pereira a desenrolar as diversas moléstias
que o haviam salteado no correr da vida, raras na verdade, mas todas perigosas; e
com este tema às ordens achou meios e modos de falar até quase perder o fôlego.
Recolheu-se o outro ao silencio e ouviu talvez preocupado, ou em todo caso,
muito distraidamente, o que lhe contava o seu novo amigo, saindo, de vez em
quando, da apática atenção para instigar com a voz e o calcanhar a cavalgadura,
quando esta parecia querer por si tomar descanso ou buscava comer os rebentões
mais apetitosos do capim a grelar.
Afinal notou Pereira o tal ou qual abatimento do companheiro. - Vosmecê a
modo que está triste? disse ele. Deixou alguma coisa de seu lá por trás?
- Homem, para ser franco, respondeu Cirino dando um suspiro, deixei; e
essa coisa é uma dívida... dívida de jogo.
- Isto é mau, retrucou o mineiro, fechando um tanto a cara. Por causa desse
vicio e das mulheres, é que as cruzes nascem à beira das estradas. Mas é coco
grosso?
- Trezentos mil-réis.
- Já é gimbo graúdo. E com quem jogou?
- Com o Totó Siqueira, de Sant'Ana. Por isto pretendeu atrasar-me a
viagem; mas prometi mandar-lhe tudo do Sucuriú por um camarada e passei-lhe um
papel. No que estou pensando, e se acharei até lá meios de cumprir a palavra.
- Se lhe pagarem como devem, com certeza. Em todo o caso aperte um
pouco com os doentes.
Gente ne ajudem com uma questão aí quem é inteligente ksks...
Cirino é um dos protagonistas da história. Apesar de ser o par romântico de Inocência, ele não é exatamente o personagem heroico típico do Romantismo. O moço tem grandes falhas reveladas durante a narrativa, mas que passam sem ter nenhum julgamento negative pelo leitor, pelo foco amoroso e romântico qu lhe é dado.
Comente sobre o personagem Cirino, revelando essas duas nuances que ele possui na história.
Muito bacana... Obrigada
Prova do livro amanha
Os o medicamento 1:38:00
livro chato tive q ver o audio book, i e porque eu ja li dom q.xote, valeu
Olá, patrício, exclamou ele conchegando a cavalgadura à da pessoa a
quem interpelava, então se vai botando para Camapuã?
Olhou o nosso cavaleiro com desconfiança e sobranceria para quem o
interrogava tão sem-cerimônia e meio enviesado respondeu:
- Talvez sim... talvez não... Mas a que vem a pergunta?
- Ah! desculpe-me, replicou o outro rindo-se, nem sequer o saudei... Sou
mesmo um estabanado... Deus esteja convosco. Isto sempre me acontece... A
minha língua fica às vezes tão doida que se põe logo a bater-me nos dentes... que é
um Deus nos acuda e... não há que avisar: água vai! Olhe, por vezes já me tem
vindo dano, mas que quer? É sestro antigo... Não que eu sela malcriado, Deus de tal
me defenda, abrenúncio; mas pega-me tal comichão de falar que vou logo, sem
tir-te, nem guar-te, dando à taramela...
A volubilidade com que foram ditas estas palavras causou certo espanto ao
mancebo e o levou a novamente encarar o inopinado companheiro, desta feita com
mais demora e ar menos altivo.
Notou então a fisionomia alegre e bonachã do tagarela e, com ar de simpatia,
correspondeu ao comunicativo sorriso daquele que, à força, queria travar
conversação.
- Pelo que vejo, disse ele, o senhor gosta de prosear.
- Ora se! retrucou o mineiro. Nestes sertões só sinto a falta de uma coisa: é
de um cristão com quem de vez em quando dê uns dedos de pérola. Isto sim, por
aqui é casqueiro. Tudo anda tão calado!... uma verdadeira caipiragem!... Eu, não.
sou das Gerais, gelaria como por cá se diz; nasci no Paraibana, conheci no meu
tempo pessoas de muita educação, gente mesma de traz e fui criado na Mata do Rio
como homem e não como bicho do monte.
- Ah! o senhor é de Minas?
- Gerais, se me faz favor. Batizei-me em Vassouras, mas sou mineiro da
gema. Andei ceca e meca antes de vir deitar poita neste país. Isto já faz muito
tempo, pois também vou ficando velho. Há mais de quarenta anos pelo menos que
sai da casa dos meus pais.
E interrompendo o que dizia, perguntou:
- O senhor também é de Minas?
- Nhor-não, respondeu o outro. Sou caipira de São Paulo: nasci na Vila de
Casa Branca, mas fui criado em Ouro Preto.
- Ah! na cidade Imperial ?...
- Lá mesmo.
- Então é quase de casa, replicou o mineiro rindo-se ruidosamente. Ora,
quem diria! Por isto me batia a passarinha, quando vi o seu rasto fresco na areia. Ai
vai, disse eu por vezes com os meus botões, um sujeitinho que não tem pressa de
pousar. Também tocando o meu canivete, tratei de agarrá-lo para não fazer a
viagem a olhar para o céu e a bancar. Acha que obrei mal?
- Não, senhor, protestou o moço com afabilidade. Muito lhe agradeço a
intenção. Assim alcançarei sem cansaço o Leal, onde pretendo dar hoje com os
ossos
to ouvindo por causa do vestibular da ufms kk
3:15:00
mt obg
49:48
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Lilly DiCine - Despertar Literal o que ocorreu com seu Nariz?
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me ajudoooou mt !
Emile Lima h9w2e232e2
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4:10:18
4:32:15
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