Minha Infância - Cora Coralina

แชร์
ฝัง
  • เผยแพร่เมื่อ 8 ก.พ. 2025
  • Minha infância
    (Freudiana)
    Éramos quatro as filhas de minha mãe.
    Entre elas ocupei sempre o pior lugar.
    Duas me precederam - eram lindas, mimadas.
    Devia ser a última, no entanto,
    veio outra que ficou sendo a caçula.
    Quando nasci, meu velho Pai agonizava,
    logo após morria.
    Cresci filha sem pai,
    secundária na turma das irmãs.
    Eu era triste, nervosa e feia.
    Amarela, de rosto empalamado.
    De pernas moles, caindo à toa.
    Os que assim me viam - diziam:
    “- Essa menina é o retrato vivo
    do velho pai doente”.
    Tinha medo das estórias
    que ouvia, então, contar:
    assombração, lobisomem, mula sem cabeça.
    Almas penadas do outro mundo e do capeta.
    Tinha as pernas moles
    e os joelhos sempre machucados,
    feridos, esfolados.
    De tanto que caía.
    Caía à toa.
    Caía nos degraus.
    Caía no lajedo do terreiro.
    Chorava, importunava.
    De dentro a casa comandava:
    “- Levanta, moleirona”.
    Minhas pernas moles desajudavam.
    Gritava, gemia.
    De dentro a casa respondia:
    “- Levanta, pandorga”.
    Caía à toa…
    nos degraus da escada,
    no lajeado do terreiro.
    Chorava. Chamava. Reclamava.
    De dentro a casa se impacientava:
    ” - Levanta, perna-mole…”
    E a moleirona, pandorga, perna-mole
    se levantava com seu próprio esforço.
    Meus brinquedos…
    Coquilhos de palmeira.
    Bonecas de pano.
    Caquinhos de louça.
    Cavalinhos de forquilha.
    Viagens infindáveis…
    Meu mundo imaginário
    mesclado à realidade.
    E a casa me cortava: “menina inzoneira!”
    Companhia indesejável - sempre pronta
    a sair com minhas irmãs,
    era de ver as arrelias
    e as tramas que faziam
    para saírem juntas
    e me deixarem sozinha,
    sempre em casa.
    A rua… a rua!…
    (Atração lúdica, anseio vivo da criança,
    mundo sugestivo de maravilhosas descobertas)
    - proibida às meninas do meu tempo.
    Rígidos preconceitos familiares,
    normas abusivas de educação
    - emparedavam.
    A rua. A ponte. Gente que passava,
    o rio mesmo, correndo debaixo da janela,
    eu via por um vidro quebrado, da vidraça
    empanada.
    Na quietude sepulcral da casa,
    era proibida, incomodava, a fala alta,
    a risada franca, o grito espontâneo,
    a turbulência ativa das crianças.
    Contenção… motivação…Comportamento estreito,
    limitando, estreitando exuberâncias,
    pisando sensibilidades.
    A gesta dentro de mim…
    Um mundo heroico, sublimado,
    superposto, insuspeitado,
    misturado à realidade.
    E a casa alheada, sem pressentir a gestação,
    acrimoniosa repisava:
    ” - Menina inzoneira!”
    O sinapismo do ablativo
    queimava.
    Intimidada, diminuída. Incompreendida.
    Atitudes impostas, falsas, contrafeitas.
    Repreensões ferinas, humilhantes.
    E o medo de falar…
    E a certeza de estar sempre errando…
    Aprender a ficar calada.
    Menina abobada, ouvindo sem responder.
    Daí, no fim da minha vida,
    esta cinza que me cobre…
    Este desejo obscuro, amargo, anárquico
    de me esconder,
    mudar o ser, não ser,
    sumir, desaparecer,
    e reaparecer
    numa anônima criatura
    sem compromisso de classe, de família.
    Eu era triste, nervosa e feia.
    Chorona.
    Amarela de rosto empalamado,
    de pernas moles, caindo à toa.
    Um velho tio que assim me via
    dizia:
    “- Esta filha de minha sobrinha é idiota.
    Melhor fora não ter nascido!”
    Melhor fora não ter nascido…
    Feia, medrosa e triste.
    Criada à moda antiga,
    - ralhos e castigos.
    Espezinhada, domada.
    Que trabalho imenso dei à casa
    para me torcer, retorcer,
    medir e desmedir.
    E me fazer tão outra,
    diferente,
    do que eu deveria ser.
    Triste, nervosa e feia.
    Amarela de rosto empapuçado.
    De pernas moles, caindo à toa.
    Retrato vivo de um velho doente.
    Indesejável entre as irmãs.
    Sem carinho de Mãe.
    Sem proteção de Pai…
    - melhor fora não ter nascido.
    E nunca realizei nada na vida.
    Sempre a inferioridade me tolheu.
    E foi assim, sem luta, que me acomodei
    na mediocridade de meu destino.
    ( Cora Coralina )
    Voz Flávio Chaves
    ‪@semeandopoesia‬
    The House Glows (With Almost No Help) de Chris Zabriskie é licenciada de acordo com a licença Atribuição 4.0 da Creative Commons. creativecommon...
    Fonte: chriszabriskie....
    Artista: chriszabriskie....

ความคิดเห็น • 6

  • @julianadiniz3883
    @julianadiniz3883 ปีที่แล้ว +1

    Obrigada por seu canal!!! Que maravilha. Parabéns ❤️

    • @semeandopoesia
      @semeandopoesia  ปีที่แล้ว

      Juliana, nós que agradecemos 🌻🙏!

  • @ritachaves193
    @ritachaves193 2 ปีที่แล้ว +1

    E triste 🤔💟

  • @antoniopereira421
    @antoniopereira421 ปีที่แล้ว +2

    Meu Deus eu vivi isso obrigado amigo.

    • @semeandopoesia
      @semeandopoesia  ปีที่แล้ว

      Que bom Antonio, eu que te agradeço por estar aqui no canal 🌻🙏

  • @kcb153mac
    @kcb153mac 2 ปีที่แล้ว +2

    Cora Coralina foi uma "gênia". Naquele tempo se estudava pouco, mas a vida é a melhor escola. Cora Coralina me emociona toda vez que a leio, ela é uma história viva e eterna.