Se você nunca morreu, você não pode servir ayahuasca.
Ayahuasca é uma bebida ancestral que trás justamente a possibilidade de entender sua existência antes do momento derradeiro.
A Dimetiltriptamina , a DMT, que contém na bebida e no nosso organismo, trás as visões e as sensações de conexão com o todo e com o nada.
Nada no sentido de você não ter a relevância que acredita ter. Você não é o centro do mundo. Você é algo além dos seus pensamentos, das suas conquistas e derrotas.
Você não é seu nome, suas posses, seus cursos ou sua história. Tudo isso você tem, fez ou vivenciou, mas não resume a sua existência.
Enquanto você lê e pensa sobre o que escrevo, uma voz na sua mente fala enquanto outra ouve. Quem ouve seus pensamentos? Quem pensa aquilo que você está ouvindo?
Quando experiênciamos Ayahuasca, não devemos buscar aquilo que a matéria já proporciona. A busca desmedida por um conforto, um bem estar terapêutico, uma resolução de problemas e sofrimento não vem de forma direta. A "cura" proporcionada por ela é na verdade parte de um processo de saída do conforto, de entendimento do que lhe falta compreender, de desvelar os corpos material, mental, emocional e espiritual e ir além do que você conhece e acreditando precisa.
Ter medo de consagrar Ayahuasca todos tem, mas com a informação sobre sua ausência de toxicidade, com um amparo de uma pessoa preparada e que esteja disposta a lhe ajudar a aprofundar dentro dessas premissas é essencial, principalmente se você deseja servir esta medicina.
Não basta ter consagrado por muito tempo sem vivenciar processos difíceis, peias, desconforto e até mesmo sofrimento.
Sofrimento este que vem da necessidade de não alterar mentalmente aquilo que você tem certeza de que é. Essa certeza é justamente o que lhe trará desconforto e te impedirá de desatar nós conflituosos na sua existência.
Quando participamos de quaisquer ritualística, com ou sem plantas de poder, precisamos ter uma abertura para receber novas informações que muitas vezes batem de frente com nossos desejos, aversões e ciclos que não queremos deixar.
Não adianta servir Ayahuasca e não morrer pelo menos uma vez. Você não é quem pensa que é, e qualquer certeza impedirá você de atingir novos patamares, porque o maior amigo da certeza é o medo.
Medo de ver no espelho da verdade a ilusão que você mesmo criou nessa existência, comparando sua vida pregressa com a atual, comparando sua existência com a dos outros e mais ainda, mantendo sua vida do mesmo jeito, somente utilizando vocabulário, artefatos e frequentando locais diferentes. Você mudou somente o que é externo. Mas você ainda não disassociou quem é você de quem você pensa que é.
Meu padrinho me dizia que se você pensou, já está errado. Sabe porque? Porque pensar que algo deve ser ou não deve ser em uma experiência com Ayahuasca te impede de atingir novos patamares. Quando desejo que algo seja, e realmente é, qual a mudança que poderia ocorrer daquilo que já desejo para mim?
Ayahuasca é mistério. Ayahuasca é exótica. A tal da expansão da consciência só nos é percebida em partes bem sutis além das possíveis de se compreender mentalmente em processos cotidianos.
Por isso que você que serve não gosta de ir em diversos locais. Em consagrar fora da sua casa ou das que já conhece. Você não se propõe a vivenciar as diferenças para que elas não alterem sua vida.
A maior experiência que já tive foi quando saí de casa e consagrei em silêncio. Senti dores físicas, senti confusão, senti agonia, medo e tristeza. No momento tive que ser auxiliado por todos da casa. Isso me colocou no meu lugar. Precisava entender que o que eu queria e o que eu não queria não eram coisas que eu deveria fazer.
Eu precisava do descontrole para me reorganizar. Precisava passar por um processo de morte, onde nem eu e nem nada existiam. Precisava morrer para reviver.
Esse é o tal calvário onde acabamos ressuscitando eternamente. Onde todos nós temos a oportunidade de resignificar a nossa existência antes do momento derradeiro.
Precisa haver compaixão com sua própria ignorância. Humildade para se colocar de joelhos perante a verdade. Verdade essa que só nós é apresentada com luto e muito trabalho duro.
Forte abraço.
Francis Galdino
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